A participação feminina tem se ampliado nos mais diversos ramos de atividades, inclusive, vem avançando a cada dia no meio científico e invadindo as empresas. Dados levantados pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), entre 2014 e 2017, foram publicados no Brasil 53,3 mil artigos científicos, sendo que 72% foram assinados por pesquisadoras mulheres.

É inegável a importância das cientistas femininas na produção de conhecimento no Brasil e do mundo, porém, ainda existem lacunas e paradigmas quando se fala em oportunidade entre os gêneros.

A visibilidade e reconhecimento feminino no meio científico é algo vital para o incentivo de novas mulheres a seguirem suas carreiras pela área de pesquisa, inovação e tecnologia. Por esse motivo, a história de três pesquisadoras se conecta ao ecossistema de inovação, por meio do projeto da Planta Piloto de Captura de CO2.

Sabrina Estevam é pesquisadora, engenheira química e uma das bolsistas que fizeram parte do primeiro projeto de Captura de CO2 da Satc. “Ao trabalhar com pesquisa e desenvolvimento temos que nos envolver em muitas atividades diferentes. Quando se inicia um projeto tão expressivo é difícil mensurar a conclusão de suas fases, quais serão os desafios e, consequentemente, os resultados obtidos”, destaca. Das quatro bolsas de iniciação cientifica disponibilizadas no projeto, três foram ocupadas por mulheres.

Elas na ciência

O ponta pé inicial de qualquer estudo científico é carregado de muitas etapas e atribuições. Na primeira parte do projeto de Captura do CO2, foi feito o levantamento de informações bibliográficas sobre o tema da pesquisa com muita leitura envolvida, triagem de informações técnicas relevantes para a realização e reprodução de experimentos em laboratório, design dos experimentos a serem realizados, verificação e compra de utensílios de laboratório e reagentes necessários para os experimentos.

Sabrina viu o projeto sair do zero. “No início da pesquisa o Laboratório de Captura de CO2 não existia, então foi um trabalho que começamos desde seus princípios”. Desafios, inexperiência na área e focar nos mínimos detalhes foram os primeiros passos da caminhada de pesquisas e ensaios. “A equipe realizou atividades de laboratório para a elaboração dos experimentos em si, fizemos a verificação técnica dos tipos de análises físicas e químicas necessárias tanto para as matérias primas (cinzas e outros resíduos), bem como, para os produtos desenvolvidos, as nossas zeólitas”, explica a pesquisadora.

Utilizar resíduos industriais para a fabricação de um material sintético capaz de capturar o CO2 e ajudar a transformá-lo em sua forma mais pura, sem agredir e poluir os recursos naturais. “A ideia de utilizar as cinzas do carvão surgiu porque esse resíduo gerado pelas termoelétricas possui propriedades que podem ser sintetizados por materiais avançados, como no nosso caso as zeólitas”, frisa a pesquisadora, engenheira química e bolsista do projeto, Raiane da Cruz.

O avanço da indústria na área de inovação

Solucionar obstáculos para a indústria e contribuir com a qualidade do meio ambiente, esse é e pode ser o foco de projetos inovadores. A emissão de gases está presente em diferentes cadeias produtivas e dar um destino mais limpo a eles é fundamental para a manutenção dos recursos naturais. “O projeto propõe uma solução inovadora para a indústria, visto que, utilizamos um resíduo resultante da queima do carvão para conseguir abater gases do efeito estufa produzido pela própria empresa. Assim, acabamos conseguindo fechar uma cadeia”, destaca Raiane.

Impacto do Projeto de CO2 para a cadeia produtiva de carvão da Região Sul do Estado de Santa Catarina

Fernando Luiz Zancan / Diretor Executivo da Satc e Presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM)

Os estudos avançam, seguindo a discussão sobre a neutralidade de carbono que é debatida em todo o mundo. “Podemos falar da importância de um projeto como esse para o desenvolvimento sustentável da cadeia carbonífera e de outras indústrias geradoras de gases de efeito estufa. Para mim, esse é o mais importante. O mundo como nós o conhecemos hoje não consegue se manter se as coisas continuarem como estão. Projetos como este precisam existir”, defende Sabrina.

Além da digital do projeto ser voltada à cinza do carvão e ao gás carbônico, com um resultado sustentável, a própria planta piloto de Captura de CO2 foi projetada com uma tecnologia para se manter. “A planta é sustentável, já que ela reaproveita a sua energia com o calor liberado no processo, para ajudar a regenerar o material que está capturando o CO2”, ressalta Vanessa Olivo, pesquisadora, bolsista do projeto e engenheira química.

Perspectivas para o futuro

Além de participar de um projeto que pode mudar os rumos da indústria e ter impacto positivo ao meio ambiente, para as pesquisadoras a mensagem do estudo pode ir muito além. “Espero que esse projeto mostre para as pessoas a importância do desenvolvimento sustentável. Que com esforço e estudo, é sim possível usarmos os recursos disponíveis no mundo de forma segura, sem impactar o meio ambiente de forma tão agressiva”, salienta Sabrina.

Como jovem pesquisadora, Raiane acredita que o projeto se soma ao crescente número de acordos mundiais de abatimento de carbono. “Eu acredito muito nesse projeto. Ele é bem importante como um método de escape para as indústrias poderem se preparar para reduzir cada vez mais suas emissões e contribuir com o meio ambiente”, destaca.

Roteiro: Eloise de Lima

Mulheres, pesquisadoras e cientistas. Por que não?

A participação plena e igualitária das mulheres na ciência ainda precisa vencer diversos desafios, mas a representativa dessas mulheres mostra que as barreiras podem e estão sendo quebradas. A valorização e o encorajamento da atuação na área científica crescem assim, com mulheres tendo plena atuação em projetos que envolvem tecnologia, inovação e pesquisa.

Para Sabrina o projeto contribuiu para mudar quem ela é. “A Sabrina de 2014 não reconheceria muitas coisas na Sabrina de 2021. Meu crescimento pessoal e profissional foi muito grande. Hoje, minha consciência ambiental é outra, eu entendo muito mais a importância das nossas ações para o ambiente ao nosso redor e como eu pude sim contribuir com a ciência”, declara.

Ficar trabalhando atrás de uma bancada de laboratório, não conseguir entender o processo do projeto e não colocar a “mão na massa”, eram os receios de Raiane antes de começar na pesquisa. “Quando eu cheguei foi completamente diferente, consegui participar dos diferentes processos, ajudei na manutenção da planta piloto, analisei os gases, controlei válvula na operação da planta e estive presente nos estudos de laboratório. Eu tive liberdade de participar, de opinar e colocar meu conhecimento no estudo”, frisa Raiane.

A área da ciência é desafiadora, envolve conhecimento multidisciplinar e também é fazer acontecer. “Se precisar a gente aperta um parafuso, calibra uma válvula e faz a parte operacional. Isso não nos impede de fazermos nosso trabalho, nós mulheres temos uma habilidade de encontrar soluções aonde for, de dar um jeito e pensar fora da caixa. Use a sua voz”, enfatiza Vanessa.

O início de um projeto, de uma história

De acordo com a WWF-Brasil (World Wide Fund for Nature, “Fundo Mundial para a Natureza”) o compromisso mundial pelo clima, tem como meta manter o aumento da temperatura do planeta bem abaixo dos 2ºC, para garantir um futuro com baixa emissão de carbono, adaptável, próspero e justo para todos.

Grandes centros de pesquisa no mundo voltam seus esforços para encontrar tecnologias que reduzam a emissão de carbono. No Acordo de Paris de 2015, foi firmado o compromisso entre 195 países com a meta de controlar as emissões de gases do efeito estufa, durante a COP21 (21ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas).

Seguindo essa vertente, em Criciúma, há mais de 13 anos, pesquisadores do Centro Tecnológico Satc (CTSatc) desenvolvem a planta piloto de captura de CO2.

Os estudos entram agora numa fase decisiva, que visam otimizar o projeto para o licenciamento. A expectativa é que até 2030 a pesquisa avance para que se chegue a uma escala comercial.

Nesse tempo, serão aprimorados dos estudos de viabilidade econômica. Nas pesquisas mundiais, a estimativa é que o custo de operação fique em torno de US$ 30 por tonelada de CO2 capturado, para que o processo seja viável. “Acreditamos, por tudo que vem sendo observado, que nossa planta piloto poderá chegar próximo a esse valor de operação, o que a tornaria economicamente viável”, explica o pesquisador do CTSatc, Thiago de Fernandes Aquino.

Foto: Planta Piloto de Captura de CO2 

A trajetória da pesquisa

Para que fosse colocado em prática, o projeto da planta piloto do CTSatc contou com apoios importantes. O primeiro veio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), que aportou os primeiros recursos financeiros para a elaboração do projeto.

Na sequência, a empresa Eneva, dos Estados Unidos, se tornou parceira para o desenvolvimento da planta em escala de pesquisa. Também segue com os estudos o Laboratório Nacional de Energia dos Estados Unidos (National Energy Technology Laboratory – NETL), a empresa norte-americana ARI, Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade de West Verginia (EUA). “São parceiros nacionais e internacionais que estão contribuindo para que a pesquisa avance”, reforça Aquino.

No final de 2020, a chamada primeira fase de testes foi encerrada e trouxe resultados positivos, com números que demonstram onde é preciso otimizar o sistema e fazer ajustes. Até o momento foram investidos R$ 10,7 milhões no programa de captura de CO2, que envolve desde a estrutura de laboratórios, síntese de novos materiais e a implementação da planta.

Até 2024, a equipe técnica seguirá com os testes para otimizar o processo, melhorando a viabilidade econômica. “Ano a ano vamos testando novas tecnologias e processos”, informa Aquino. A planta, após ter essa viabilidade, poderá ser utilizada não apenas pela indústria térmica a carvão, mas a óleo e gás, e pelos setores cimenteiro, siderúrgico e de refratários.

Zeólita verde

A zeólita é um elemento que serve para diversas aplicações na indústria. Por ter característica porosa, semelhante a uma esponja, ela retém os gases. Ao natural é retirada de rochas vulcânicas, e pode ser produzida também de maneira sintética.

Na planta piloto do CTSatc, inicialmente vem sendo usada a zeólita importada da China. Mas, as pesquisas avançam e a equipe já produz, em escala reduzida, uma zeólita sintética. Ela é feita a partir de cinzas de carvão mineral e de resíduos da indústria de alumínio.

Os estudos foram liderados pelos pesquisadores do CTSatc, em parceria com a PUC/RS, renderam a patente verde à zeólita, concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Esta patente tem como foco a síntese e aplicação do material na captura de CO2 emitido em processos de geração de energia.

*Autoras: Eloise de Lima e Marli Vitali.