Junho de 1987. Aquela segunda-feira já estava chegando ao fim quando o telefone de Ivanete Maria da Silva tocou. Do outro lado da linha, a tia, que na época era freira no Hospital São José de Criciúma, anunciou: – o filho que vocês buscam nasceu. No mesmo instante, o frio que faz no inverno de Novo Hamburgo (RS) foi tomado pelo calor que aqueceu o coração de Ivanete. E a chama nunca mais apagou.
No dia seguinte, a dona de casa pegou, no primeiro horário da manhã, um ônibus de Novo Hamburgo até Porto Alegre e outro de Porto Alegre até Criciúma. Ela chegou para buscar o recém-nascido às 14h.
“Naquela época, os hospitais não tinham grade. Muitas mães, após o parto, abandonavam os filhos enrolados nas cobertas e pulavam a janela”, conta. A oportunidade de adotar, para Ivanete, surgiu após um desses episódios de abandono.
Sem a necessidade de passar por processos burocráticos, na quarta-feira, dois dias após receber o telefonema da tia, Ivanete pegou novamente dois ônibus para voltar para casa. Mas dessa vez, com a criança no colo. O marido e a primeira filha do casal, de 5 anos, aguardavam na residência pela chegada do novo membro da família.
O garoto recebeu o nome de Marco Frederico Arnold, que mais tarde foi apelidado, carinhosamente, de ‘Negão’. Alguns meses depois, a mãe percebeu que o filho apresentava características diferentes e que não estava se desenvolvendo conforme as crianças com a mesma idade.
A síndrome de Cornélia de Lange (SCdL) é uma doença rara, caracterizada por múltiplas malformações. Com o diagnóstico, veio uma nova jornada para Ivanete: proporcionar uma melhor qualidade de vida para o ‘Negão’.
“Naquele tempo, pouco se falava sobre a síndrome. Os próprios médicos não conheciam direito e tratavam o Marco como uma criança autista, mas não era”, relembra.
A mãe então começou a pesquisar sobre a doença por conta própria. Mas esse não foi o único desafio enfrentado por ela. Por ser uma condição que exige cuidado em tempo integral, não foi mais possível trabalhar fora de casa.
Além disso, uma nova luta surgiu. Nos meses seguintes, o tempo que era preenchido pelo cuidado com os filhos, precisou ser dividido com o buscar de forças para superar o término do seu casamento.
“Meu ex-marido não admitia ter um filho doente e não conseguiu viver com a situação. Apesar de sempre ter sido um pai presente, ele foi embora e deixou bem claro que o motivo era a deficiência do menino”, desabafa Ivanete.
Tempos depois, já com três filhos, ela se mudou para Araranguá, onde se casou pela segunda vez e teve o quarto filho. Após 20 anos de casados, o outro marido também quis o divórcio e pediu que ela procurasse um novo lugar para morar.
Devido as circunstâncias, Ivanete precisou transformar o sofrimento em força. E nos momentos mais difíceis, era no filho do coração que ela encontrava motivação para seguir em frente.
Atualmente, o ‘Negão’ frequenta a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Araranguá, gosta de jogar basquete, tocar violão e ouvir rádio. Mesmo sem ter noção de tempo, sintoniza na hora exata a frequência para ouvir seus programas preferidos.
Ivanete, para manter a casa, faz faxinas e revende cosméticos. Quando o filho não está na Apae, acompanha a mãe nos serviços de limpeza doméstica.
Número de pretendentes que aceitam adotar crianças com comorbidades ainda é baixo
Ivanete protagoniza uma história de amor e superação, mas é uma das poucas na dramaturgia da vida real. Isso porque, quando se fala na adoção de crianças e adolescentes com deficiências, é mínimo o número de famílias que aceitam essa condição.
Na Vara da Infância e Juventude e Anexos da comarca de Criciúma, das 124 famílias (entre casais e pessoas solteiras) que aguardam na fila de adoção, nenhuma aceita que o filho tenha problema de saúde mental ou físico severo.
Quando passam pelo processo de habilitação para entrar no cadastro de adoção, os candidatos têm a opção de traçar o perfil da criança pretendida. É quando podem escolher a idade, etnia, sexo e condições de saúde.
Segundo a psicóloga da Vara da Infância e Juventude e Anexos da comarca de Criciúma, Joana Anacleto de Assis, a prevalência nos perfis desejados é que a criança tenha menos de 6 anos de idade, seja branca e não possua problemas de saúde.
Visando mudar esta realidade, o órgão está aplicando sensibilizações sobre o tema no curso de preparação realizado com os pretendentes à adoção. A ideia é conscientizar os futuros papais sobre a importância de estarem abertos a outras possibilidades.
“Nesse curso, a gente aborda vários temas, como a adoção tardia ou de crianças com deficiências, para abrir um pouco esse leque. As pessoas precisam entender que as crianças que estão disponíveis para adoção não são recém-nascidas ou bebes. São crianças que muitas vezes são retiradas das famílias de origem e já possuem um histórico, mas que também merecem ser amadas”, destaca a psicóloga.
Somente na comarca de Criciúma, que abrange também os municípios de Nova Veneza, Siderópolis e Treviso, há 37 menores que residem em instituições de acolhimento; 11 estão aptos para adoção e o restante em processo de destituição familiar.
Três deles são adolescentes diagnosticados com deficiência intelectual. Há também uma bebê com deficiência física e intelectual, que mesmo estando dentro do perfil de idade que a maioria deseja, não tem pretendentes de adoção.
Dentre os motivos citados pelos pretendentes que optam por crianças e adolescentes sem algum tipo de comorbidade, conforme Joana, estão a falta de recursos financeiros e disponibilidade de tempo.
Para Richard Gabriel e Laura Leite, que iniciaram o processo de cadastro para adoção há seis meses, o que foi levado em consideração na hora de escolher o perfil desejado, foi avaliar qual a capacidade do casal para atender as necessidades de determinada criança.
“Pensamos no que a nossa capacidade permite para dar o melhor para o nosso filho e fomos moldando nosso pensamento com o tempo. No início pensávamos apenas em bebês recém-nascidos, hoje já nos sentimos preparados para criar crianças com idades mais avançadas também, ou com uma deficiência moderada”, afirma Gabriel.
Casados há quatro anos, o trabalhador autônomo e a secretária executiva têm o desejo de adotar dois filhos e ter um terceiro biológico. A cada dia que passa, a expectativa aumenta ainda mais. “Estamos grávidos, mas não sabemos por quanto tempo. O filho vai nascer quando o telefone tocar”, completa.
Amor que rompe barreiras e transforma vidas
Se para a família a adoção é um momento especial, para a criança é um momento que transforma. Em se tratando de adotados com algum tipo de deficiência, essa transformação é ainda mais significante.
Em 2016, um grupo de oito irmãos que viviam em situação de vulnerabilidade social foi encaminhado pela justiça para lares de acolhimento de Criciúma. Dentro desse grupo, estava o Lucas, com 6 anos.
Quando o garoto chegou à Associação Beneficente Nossa Casa, apresentava um comportamento violento e, segundo a coordenadora do abrigo na época, Santina Muniz, tinha limitações no desenvolvimento intelectual.
O rapaz foi encaminhado para o Centro Especializado em Reabilitação (CER) de uma universidade do município e foi diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Transtorno Opositor Desafiador (TOD).
“No início, quando o Lucas chegou no lar, foi muito difícil, porque ele estava acostumado com episódios de agressividade onde vivia anteriormente. Então ele era de agredir fisicamente os acolhidos, as cuidadoras e até a si próprio. Uma vez, ele deu um chute em uma porta tão forte que chegou a amassar. Por conta desse comportamento, ele começou a fazer o uso de medicamentos tarja preta e aspirava muitos cuidados”, relembra Santina, que também é psicóloga e pedagoga.
Um dos profissionais que acompanhavam o Lucas no CER era o enfermeiro Luciano Pacheco. Era um dos poucos profissionais que o garoto sentia confiança e aceitava receber o atendimento sentado no colo. Lucas não sabia, mas o enfermeiro e o esposo, Marco Antônio de Medeiros, já haviam se cadastrado no processo de adoção e estavam no aguardo de um filho.
“A parte da socialização evoluiu muito. Ele passou a respeitar os mais velhos, os professores, a figura da mulher, independente da idade. E, ainda, através dos estímulos certos o processo de aprendizagem evoluiu bastante”, afirma Pacheco.
Para a psicóloga e pedagoga, a criança – ou adolescente – tende a evoluir e apresentar muito mais melhoras quando é adotada e o cuidado adequado de uma família faz toda a diferença no tratamento de comorbidades.
Abrigos acolhem, mas não substituem famílias
Em Criciúma, atualmente, há o total de 37 crianças e adolescentes acolhidos, que estão divididos nos três abrigos existentes no município. O Nossa Casa e o Florescer, que recebem meninas de 0 a 18 anos e meninos de 0 a 7 anos, e o Lar Azul que recebe apenas meninos a partir dos 8 anos de idade.
“São lares provisórios que recebem menores que têm seus direitos violados, muitas vezes, por agressão, violência sexual e negligência por parte dos genitores”, detalha a presidente da instituição Nossa Casa, Jucelane Barbosa.
Esses garotos e garotas em situação de vulnerabilidade social, quando chegam aos abrigos, recebem amparos físicos e psicológicos. Para isso, contam com uma equipe de cuidadores, que é formada por educadores, assistente social, psicóloga e coordenação.
De acordo com Jucelane, o propósito maior é fazer com que eles tenham uma vida normal, como se morassem em qualquer outra casa.
“Eles vão para a escola, podem receber amigos, participam de aulas de dança, computação e violão, que são ministradas por um grupo de voluntários. Além disso, todo mês é realizada uma festa de aniversário para todos os aniversariantes daqueles 30 dias. E também fazem aulas de natação, que são financiadas pela iniciativa privada”, enaltece.
Mas mesmo oferecendo toda essa estrutura, os abrigos, segundo a vice-presidente da Nossa Casa, Isabel Cristina Feijó, não substituem os benefícios dos laços familiares. “Cada caso é um caso, mas normalmente, eles ficam ansiosos esperando pelo momento da adoção. Quando veem que um amiguinho é adotado, ficam naquela expectativa de – quando vai ser a minha vez?”, observa.
Nos casos de adoção tardia, a ansiedade fica ainda maior. “Isso acontece, principalmente, com os mais velhos que, mesmo quando estão em processo de reconhecimento dos pretendentes, já chamam de pai e mãe na primeira oportunidade”, complementa a vice-presidente da instituição.
Para crianças com deficiências, a ansiedade na espera da adoção não é o fator que mais pesa na falta que faz uma família. Isso porque os abrigos não são preparados e nem contam com uma equipe técnica especializada para atender demandas específicas de saúde. Alguns médicos da rede municipal até acompanham os tratamentos de pacientes da casa, mas para muitos não é o suficiente.
“O abrigo sempre vai garantir os direitos básicos das crianças, mas aqui o cuidado é coletivo. Quando uma criança com deficiência chega em uma família, os cuidados e o afeto são voltados exclusivamente para ela, e receber esse afeto é imprescindível para que os tratamentos de saúde evoluam”, reforça Isabel.
E para os adotantes que optam por crianças saudáveis por terem receio de não conseguirem criar um filho com deficiência, o primeiro passo é saber que o amor supera limites e rompe barreiras.
Adoção tardia: por que ainda existe receio em adotar os mais velhos?
“Com o perfil de bebês e crianças mais novas ainda sendo o mais desejado entre os pretendentes de adoção, crianças com a idade mais avançada e adolescentes veem suas expectativas se transformando em frustração a cada dia que passa. E essa é uma realidade que só vai mudar com a diminuição do preconceito e falta de conhecimento por parte das famílias que estão no cadastro de adoção”.
Essa afirmação, da presidente da Nossa Casa, se refere ao fato de as pessoas sentirem receio de adotar adolescentes por pensarem que serão mais difíceis de lidar.
“O medo parte de uma cultura de que as pessoas pensam que porque as crianças vieram de uma família biológica ruim, terão o DNA ruim. Mas a gente sabe que o meio é muito mais determinante para a formação dos valores de um ser humano que a genética”, assinala.
Conforme Jucelane, o primeiro passo deve ser sempre os interessados fazerem uma reflexão do porque realmente querem adotar. “Por que adotar um bebê? Se o sonho da pessoa é ser mãe ou pai, esse sonho vai ser realizado com uma criança de qualquer idade”, reforça.
Foi para realizar esse sonho que o gerente comercial José Moncris e a esposa Sinara Eugênio optaram por adotar duas crianças. O desejo de adotar já tinha surgido no coração do casal antes mesmo de eles casarem, mas foi após a Sinara precisar remover o útero, ovário e trompas em uma cirurgia para tratar da endometriose, que a ideia se tornou realidade.
O casal então participou do curso de preparação para pretendentes a adoção e deu início no processo. Dois anos e oito meses depois, receberam uma ligação avisando: – chegou a vez de vocês. “Foi um tempo consideravelmente rápido pois não restringimos por um perfil específico de criança e estávamos abertos também à adoção tardia”, comenta Moncris.
O casal adotou os irmãos Davi e Arthur, de 3 e 6 anos, respectivamente.
A adoção em dose dupla resultou em novos desafios para a família. Já que, conforme o gerente comercial, duas crianças exigem o dobro de atenção e de cuidado. Mas foram situações normais do dia a dia de qualquer família.
“Muitas pessoas falam coisas sem sentido, como se adotar uma criança que tem uma idade mais avançada fosse causar algum mal-estar. Muito pelo contrário, a gente encontrou dois parceiros para dentro de casa”, completa.
Segundo ele, é normal que uma criança com idade mais avançada já tenha alguns vícios de comportamento, mas tudo é questão de sentar, conversar e saber instruir. “Isso com o tempo, dedicação e amor, muda”, garante o pai do Davi e do Arthur.
Para encorajar e incentivar que outras famílias adotem, o casal, com o apoio do pastor da igreja em que congrega, Thelmo Martinello, e de um outro casal, Genisson e Suzânia Coelho, criou o projeto ‘Meu Lar’. A ideia é levar informações para pessoas que tenham interesse em adotar, mas acabam tendo medo por falta de conhecimento.
Nos encontros, os organizadores abordam questões jurídicas, contam experiências e orientam sobre quais os requisitos básicos que os interessados precisam cumprir para entrarem em um processo de adoção.
“A gente não habilita, não deixa apto a adotar. Mas a gente traz todas as informações pertinentes para pessoa entrar nesse processo, procurando levar sempre alguém que tenha autoridade no assunto”, esclarece Moncris.
O projeto não tem cunho religioso, é gratuito e aberto para toda a comunidade. Os encontros acontecem às sextas-feiras, na igreja Abba Pai, em Criciúma. A capacitação tem duração de um mês e uma nova turma deve iniciar no próximo mês de novembro. Interessados podem buscar por mais informações na sede da igreja ou pelas redes sociais.
Apadrinhamento Afetivo possibilita um novo formato de vínculo com as crianças
O incentivo à adoção tardia é uma forma de evitar que as crianças e adolescentes fiquem desamparados não tenham para onde ir no momento em que completarem 18 anos. Mas essa, ainda, é uma realidade para muitos jovens que não têm família.
Além disso, os acolhidos nesses lares e que não se enquadram nos perfis mais comuns de adoção, também precisam lidar com o vazio que não é preenchido afetivamente.
Diante dessa realidade, a Nossa Casa, em parceria com a Vara da Infância e Juventude e Anexos de Criciúma, criou o Apadrinhamento Afetivo. Como o próprio nome indica, com o projeto, as crianças ganham padrinhos para terem uma referência de família.
“Neste caso, a criança não vai para a casa do padrinho, mas a gente possibilita um vínculo afetivo externo também para aquelas que têm chances remotas de serem adotadas”, explica a mediadora do projeto e psicóloga, Samara Barbosa.
Os acolhidos com chances remotas de serem adotados são aqueles que não possuem o perfil comumente buscado pelos pretendentes. Segundo a mediadora, geralmente são as crianças com algum tipo de deficiência, transtorno mental ou faixa etária mais elevada.
“Através do projeto, os padrinhos podem levar essas crianças para fazerem passeios, convidar para passar datas comemorativas – como o Natal – em suas residências, proporcionar cursos e, principalmente, dar suporte emocional”, destaca.
A psicóloga ainda explica que se os menores hoje estão em abrigos é porque já passaram por inúmeras violações de seus direitos. E o projeto é uma forma de fazer com que eles se sintam pertencentes, amados, aceitos, desenvolvam autoestima e autoconfiança para perceberem que uma outra realidade é possível.
Como participar?
Para se tornar um padrinho afetivo, os interessados devem ser maiores de 18 anos; residir dentro da comarca de Criciúma; ter disponibilidade para participar de oficinas e eventos dentro da instituição; e não podem estar inscritos no cadastramento de adoção.
Como é o processo de adoção?
Para ser apto a adoção, o interessado devem passar por um processo de habilitação. O primeiro passo é entrar em contato com a Vara da Infância e Juventude do município onde reside e apresentar a seguinte documentação:
- Comprovante de residência;
- Documentos pessoais;
- Certidão de antecedentes criminais;
- Atestado médico de sanidade mental por um psiquiatra.
Com a documentação entregue, é realizado um estudo social em que o pretendente deve passar por avaliações com a psicóloga e assistente social do Fórum.
Neste momento, são avaliados os motivos da adoção e as condições pessoais do pretendente, como condições de trabalho, tempo, se tem outros filhos e estrutura familiar para receber uma criança ou adolescente no seu convívio social. Os pretendentes também devem participar do curso de preparação.
Com o parecer favorável, sendo verificado que a pessoa preencha esses requisitos mínimos para prestar uma boa assistência financeira, emocional e educacional para a criança, é deferida a habilitação e o casal entra no cadastro de pretendentes a adoção.
Na avaliação social, outro fator determinante é se o pretende tem condições de oferecer bem-estar e rede social afetiva para as crianças. Segundo a assistente social da Vara da Infância e Juventude da comarca de Criciúma, Maria Dolores Fontana, o objetivo é avaliar qual a visão da pessoa em relação ao desenvolvimento do filho.
“Além de ter condições para amparar quando as crianças ficarem doentes, saber identificar situações de risco e dar uma boa educação, os adotantes precisam estar aptos para dar autonomia para que as crianças cresçam e se tornem independentes na vida adulta”, orienta.
Como pré-requisito, não existe um valor de renda mínimo por parte do pretendente, mas é necessário que ele ofereça um contexto familiar adequado para o desenvolvimento afetivo e intelectual do adotado.
Em se tratando da adoção de crianças com comorbidades, a Assistência Social avalia, ainda, a disponibilidade de tempo dos possíveis pais ou cuidadores.
“Dependendo do grau da deficiência, muitas crianças vão precisar de um cuidado mais presente ou acompanhamento com profissionais de Saúde, por isso pode ser necessária também a possibilidade de deslocamento até o fisioterapeuta ou psicólogo, por exemplo”, pontua.
Já na parte jurídica, a legislação brasileira não exige burocracias a mais para a concretização da adoção de crianças e adolescentes com deficiências. De acordo com o juiz da Vara da Infância e Juventude da comarca de Criciúma, Pablo Vinícius Araldi, o processo de adoção é o mesmo para todos os casos.
“O que se analisa é a situação pessoal do pretendente e deficiência da criança a ser adotada. Algumas deficiências físicas ou cognitivas leves não demandam cuidados especiais fora do que seria comum para uma criança. Já algumas deficiências indicam uma necessidade de atenção maior do que o convencional”, ressalta.
O juiz destaca que quando uma criança é disponibilizada para adoção é porque ela já passou por um processo de destituição do poder familiar e já foram esgotadas todas as possibilidades de reintegrar o garoto ou a garota de volta à família de origem.
“É um processo bastante delicado porque a consequência dele é bastante grave. Os réus, nas ações julgadas, vão perder a condição de pais de uma criança e a criança fica sem pais. Inclusive, é feito um novo registro para ela”, explica.
Esse processo de destituição do poder familiar é resultado, na maioria das vezes, de violência exacerbada e negligência por parte dos pais quanto aos cuidados de saúde, alimentação e afetividade. Situações, em que conforme Araldi, geram grande sofrimento para as crianças e que o Estado não pode permitir que volte a se repetir.
“A adoção é irrevogável, confere ao adotado condição de filho e se eu tenho um filho eu não posso desistir ou devolver. Por isso, quem adota deve pensar bem antes e analisar se realmente está preparado para criar aquela criança. É claro que a lei não consegue prever todos os fatos da vida. Eventualmente pode acontecer, na família adotiva, situações que podem ensejar uma nova destituição, por outras situações de negligências ou maus tratos”, esclarece.
Para que a criança não sofra também pela família adotiva, é feita, em situações excepcionais, a revogação da adoção. Esse casal que devolve a criança é processado pelo Ministério Público, podendo pagar multa e responder no âmbito criminal.
O que acontece após atingirem a maioridade?
As crianças e adolescentes são acolhidos nos abrigos até completarem a maioridade. Após os 18 anos, aquelas que não forem adotadas precisam procurar um outro lugar para morar. Alguns projetos dentro dos lares de acolhimento, como cursos profissionalizantes para que facilite a entrada no mercado de trabalho, já preparam esses recém-adultos para que consigam se manter financeiramente nesse momento.
Jovens com deficiência que não são adotados e não tenham condições de se manterem sozinhos são encaminhados para outras instituições de saúde especializadas no cuidado de adultos com comorbidades. Em alguns casos, eles também recebem apoio de programas do governo para se manter.