“Eles dizem que a mulher de agricultor é dona de casa, mas não é. É agricultora”, destaca a meleirense Cristiane Duminelli Costa Francisco, de 45 anos. Ela é agricultora há mais de 30 anos e sua trajetória é marcada pelo grão que é tradição e base econômica em Meleiro: o arroz. A história de Cristiane é reflexo da presença feminina na rizicultura da cidade e representa as quase 19 mil mulheres que estão à frente da gestão de propriedades rurais em Santa Catarina. O número foi divulgado pelo Censo Agropecuário de 2017 e coloca o estado em posição de destaque nacional.
A engenheira agrônoma e extensionista rural Adriana Modolon Duart, da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), atua no escritório Municipal de Meleiro. Ela conhece bem a realidade de homens e mulheres do campo e vê que os números ainda são abaixo da realidade. “Esse contingente do Censo representa apenas 11% do total de estabelecimentos, evidenciando a necessidade de ampliar a presença feminina em funções de liderança no meio rural”.
E é por meio de jovens como a estudante de engenharia agronômica Lara Costa Pirola, de 19 anos, que o espaço das mulheres do campo é cada vez mais reconhecido. “Para mim, olhar para trás e ver tantas mulheres que ‘sempre estiveram lá’ na agricultura, é reconhecer sua força e dedicação. Agora, ao me preparar para seguir nessa área, sinto a responsabilidade de levar essa tradição adiante”, reforça Lara.
A futura engenheira conta que cresceu em meio à agricultura e seu interesse em seguir nesse ramo surgiu do amor que seu pai tinha pela terra e pelo cultivo de arroz. “Após o falecimento do meu pai, nossa família passou a ser formada apenas por três mulheres. Enfrentamos diversos desafios, principalmente porque nosso conhecimento e nossa responsabilidade na gestão da propriedade foram invalidados. Ainda assim, seguimos firmes, demonstrando nossa capacidade de administrar a propriedade e tomar decisões”, explica Lara.
Para a estudante, um dos momentos marcantes vivenciados ao lado da mãe, Eliane, e da irmã mais velha, Maria Eduarda, foram as críticas e o preconceito pelo fato de serem mulheres agricultoras. Comentários maldosos vieram por quem não acreditava no potencial delas à frente dos negócios. Mas isso fortaleceu as três mulheres, que se mantiveram firmes na gestão da lavoura e na defesa do conhecimento transmitido pelo pai.
Assim como a jovem, Cristiane também enfatiza a percepção que existe sobre a representatividade feminina na agricultura. Segundo ela, embora a maioria das mulheres que vive na zona rural trabalhe na lavoura, o que se percebe é que o protagonismo é mais atribuído aos homens. Mesmo quando elas precisam conciliar o cuidado da casa, da lavoura e dos filhos, a presença delas muitas vezes passa despercebida.

“Eu fui o homem mais velho do pai”
Histórias como a da Lara e da Cristiane também são contadas por mulheres como a agricultora aposentada Nadir Boza Fogaça, que viveu o campo em um tempo em que o trabalho era braçal e famílias inteiras trabalhavam na roça. “Desde pequena trabalhava na roça com o pai, com a mãe e meus irmãos. E ali a gente foi crescendo, plantando arroz, colhendo, e até agora, né? Já estou com 73 anos e ainda trabalhamos com arroz”, relembra Nadir.
A aposentada recorda como era o cultivo do arroz durante sua juventude. Segundo ela, todo mundo ia para a roça, tanto jovens quanto mulheres. “Mas claro, a mulher ia pra roça e ainda chegava em casa e fazia todo o serviço doméstico”, ressalta. Depois de casar e ter filhos, a agricultora continuou na lavoura com o marido. Ela conta que levava as crianças junto para a roça, colocando o bebê em uma grande banheira de alumínio enquanto o filho mais velho cuidava dele. Durante esse tempo, Nadir capinava e, para proteger os pequenos do sol, armava um guarda-chuva ou guarda-sol sobre eles.

A jornada de Cristiane não foi muito diferente. “Eu sou neta e filha de agricultor. O meu pai, quando eu era pequena, já plantava fumo. Depois, quando eu tinha uns 6 ou 7 anos, ele comprou um pedaço de terra para plantar arroz. E assim, a gente ia ajudar ele. Desde pequenininha, eu já dirigia trator. E daí a gente foi crescendo, trabalhando e aprendendo cada vez mais”, destaca.
Desde o início, quando foi morar com o marido, Cristiane ajudou na lavoura. Ao se mudar para a propriedade, já sabia “picar a terra” e “rotativar”, aprendizados que vieram do pai, que não tinha peão e ensinou os filhos a trabalhar na roça. Ela ainda explica que com o companheiro sempre houve diálogo. Eles se sentam juntos, conversam e tomam as decisões da produção e da propriedade. “Ele diz: ‘Olha, vai tanto aqui, vamos gastar isso, está sobrando aquilo’. Nunca foi só ele”, conta Cristiane.

A agricultora Nadir lembra ainda da época em que assumiu o lugar do irmão mais velho, ao lado do pai, nos trabalhos rurais. Depois do primogênito da família, era ela a filha mais velha entre os cinco irmãos, por isso precisou assumir a responsabilidade maior. “Aos 15 anos meu irmão mais velho saiu de casa, mas eu fiquei na roça. Eu tinha que acompanhar o pai lado a lado. Ia até no mato tirar madeira, o pai puxava de um lado do serrote e eu puxava do outro. Até derrubar a árvore. Eu fui o homem mais velho do pai”, relata.
A aposentada rememora com carinho os cafés que tomava na roça. “Ah, eu gostava de ir pra roça, sabe por quê? De manhã cedo, bem cedo, a gente ia e ganhava o café lá”. O café, segundo ela, parecia um verdadeiro piquenique. A mãe levava a comida e colocava em um lugar mais alto, pois o chão era banhado. Pão, salame, bolacha e outros alimentos preparados em casa, no fogão a lenha, faziam parte desses momentos que ficaram guardados na memória.
Para Lara e Cristiane o gosto do café da roça também traz recordações. “O melhor momento do dia era o café, o sabor do café na roça é incomparável. Era muito divertido”, destaca a estudante. “Era bom quando a gente colhia. Porque dava aquele monte de gente, levava aquelas paneladas de comida para a roça. Daí se reunia todo mundo pra comer ali”, complementa a segunda. Cristiane ainda menciona que para ela o almoço e o café na roça são mais gostosos do que em casa.
A agricultora Cristiane também frisa que, se tivesse alguém para cuidar da casa dela, preferiria ficar no campo. “Eu adoro trabalhar na roça”, afirma. Para Nadir, o sentimento é o mesmo. “Não me arrependo até hoje por ter trabalhado na lavoura, porque eu era feliz. Se fosse pra voltar a trabalhar, eu voltaria. Voltaria porque eu gosto”.

“Hoje elas são independentes”
Para a agricultora Rosângela Lorenzi Concenço, presidente da CooperColméia de Meleiro, cooperativa especializada em produtos e medicamentos para bovinos de leite, atualmente está mais fácil para que as mulheres conquistem o espaço de liderança em setores agrícolas. “Hoje as mulheres administram muito bem, hoje elas são independentes, elas dirigem e têm conta em banco”, diz.
Ela avalia que o passar dos anos também trouxe mudanças positivas. Mas a mulher do campo ainda enfrenta muitos desafios. “Precisamos ser fortes. Tem que dar resposta certa, tem que mostrar que é competente igual o homem, tem que bater de frente e ir à luta, senão a gente não consegue chegar lá”, reforça. Já a agricultora Cristiane explica que o olhar feminino é diferente, em sua opinião as mulheres têm uma visão mais ampla. “Porque a mulher dá conta de tudo, do filho, da casa e do marido”.
Por outro lado, a engenheira agrônoma Adriana Modolon reforça que apesar disso, o papel feminino na rizicultura muitas vezes não é contabilizado. Ela observa que as mulheres contribuem de forma significativa em diversas atividades, mas seu trabalho tende a ser invisibilizado nos registros formais.
Diante desse cenário, a Epagri tem desenvolvido projetos como o “Mulheres em Ação Flor-E-Ser”. A iniciativa, direcionada às agricultoras, promove a capacitação técnica, fortalecimento da autonomia financeira, incentivo ao protagonismo e facilitação do acesso às políticas públicas. Adriana detalha que na região, a ação acontece no Centro de Treinamento de Araranguá (Cetrar). São dois dias por mês com uma programação que combina aulas teóricas, práticas e momentos de troca de experiências com outras mulheres do setor.
Ações como a da Epagri incentivam a participação feminina na rizicultura, não apenas em Meleiro, mas em todo o estado. “Embora ainda existam desafios limitantes, o reconhecimento do papel da mulher no setor agrícola é cada vez maior”, comenta a estudante Lara. “Na verdade, as mulheres, elas sempre estiveram lá, só não eram muitas vezes reconhecidas”, conclui Rosângela.

Texto Escrito pela acadêmica da 2º fase de Jornalismo da UniSatc Lutheska Fogaça.
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