Desde bebê Heitor não gostava de ir no colo de ninguém. Tinha um comportamento agressivo, antissocial e se machucava muito com arranhões e batidas na cabeça. Ana Paula da Silva, sua mãe, sabia que algo não estava certo. Com dois anos e dois meses foi diagnosticado com autismo. Assim começa a história do Heitor, um menino que há um ano carrega a carteirinha de autista. Sua semana é dividida em dias onde ele distribui e pede beijos de seus pais e de sua irmã mais velha, e outros onde está mais introspectivo. Assim é o autismo na infância.

“Desde que nós tivemos a resposta eu adaptei muitas coisas na minha casa, e já percebi o quanto ele evoluiu depois dessas mudanças. O jeito de eu ensinar as coisas, principalmente, também ficou diferente. Agora ele, que tem três anos, sabe todas as cores, o alfabeto de A-Z e contar até 10, além de várias palavras”, disse orgulhosa.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou autismo é um transtorno no desenvolvimento neurológico das crianças. “A característica é pela falha na capacidade que elas têm de interagir, se comunicar e por apresentar comportamentos repetitivos, padrões restritos de interesses e comportamento focalizado”, explicou o neurologista infantil Eduardo Medeiros.

Diagnóstico precoce do autismo na infância ajuda

Geralmente o diagnóstico se dá entre os três primeiros anos de vida da criança, portanto quando ela começa a interagir e se comunicar mais com as pessoas. Percebe-se problemas na linguagem, dificuldades de comunicação e interação social. Os sinais do autismo na infância aparecem nos primeiros meses de vida do bebê, principalmente quando ele não mantém contato visual com a mãe na hora da amamentação.

Entre os oito e nove meses, as crianças costumam olhar para a pessoa quando são chamadas pelo nome, mas quando apresentam o TEA existe uma falha neste chamado.

“Crianças com autismo não têm interesse em ficar observando e correspondendo as expressões faciais do adulto. A partir de um ano as crianças já têm um vocabulário de 10 palavras, se com essa idade ela não está falando nada, não está usando o dedo indicador para apontar algo que deseja, se ela não manda beijo, não dá tchau, ou não faz imitações como bater palminha, são sinais que podem indicar que ela está apresentando autismo”, informou Medeiros.

Desafio dos pais para descobrir o autismo na infância

A atenção da família sobre a criança é fundamental. “O diagnóstico chegou para mim quando o Pietro estava com nove para dez anos. Depois de tantas tentativas de saber o que havia com ele. Atividades que ele devia fazer, esquecia. Na escola, tinha dificuldade de aprendizagem, sempre contratei professores no contraturno”, relatou Olga Julia Santos. Desde que seu filho tinha sete anos ela estava atrás de respostas. Procurou médicos conceituados, que lhe disseram que Pietro não tinha nada.

As pessoas que possuem essa síndrome comportamental apresentam sinais e sintomas em comum. Porém são afetadas de maneiras e intensidades diferentes. Hoje, após a quinta mudança do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM5), o TEA é dividido em autismo leve, moderado e grave.

“No nível 1 as pessoas são independentes, constituem família, se inserem no mercado de trabalho e possuem uma vida praticamente normal. No 2 as pessoas precisam de algum tipo de auxílio para se comunicar, interagir e nas suas necessidades pessoais. Na fase 3 as crianças e adultos estão em um estado mais grave, sendo totalmente dependentes”, ponderou o neurologista.

Por mais que o diagnóstico possa ser feito a partir do primeiro ano de vida do bebê, a classificação é feita entre os quatro e seis anos. Até esta idade é preciso fazer estimulações.

Falta esclarecimento do assunto

Hoje o autismo afeta uma a cada 160 crianças e devido à conscientização em massa, enfim, não é mais considerado um tabu. O que ocorre é que muitas famílias negam a possibilidade da criança possuir o TEA. Algumas por medo de não saber como vai ser o futuro dos seus filhos. Outras porque temem o julgamento alheio.

“Estávamos eu e Pietro no consultório, a médica disse na nossa frente que com 10 anos ele jamais iria ler, futuramente não iria trabalhar. Muito menos se formar no colégio ou fazer uma faculdade. Meu filho me pegou pelo braço e disse para irmos para casa, pois aquela mulher não sabia o que estava falando. Eu saí sem chão, decepcionada e chorando”, relembrou Olga Julia.

Depois desse dia, ela começou a ler tudo sobre o transtorno. Fez pós de Neuropsicopedagogia Institucional e Clínica, estudou as trilhas neurais e a neurociência na educação. Enfim, a partir desses conhecimentos, conseguiu compreender melhor o porquê de seu filho não aprender determinados assuntos.

Avanços que estimulam as famílias

Hoje, Pietro tem 17 anos, está no último ano do Ensino Médio. Conforme Olga, é o mais falante de sua turma, e pretende cursar história. Com a pandemia, ajuda seus irmãos mais novos nas aulas remotas, além de auxiliar sua mãe nas tarefas domésticas.

“Ele é muito querido por todos na escola, este é o meu maior prazer. Seus colegas sempre o querem em seus grupos, por ele sempre ter bons argumentos na hora da apresentação dos trabalhos. Quando fico doente ou com muito trabalho para fazer, ele me diz que sou uma mulher forte e que está aqui para me ajudar”, contou Olga.

O autismo acontece por conta de uma mutação dos genes, e existe mais de uma combinação que gera este transtorno. Dessa maneira, não existe uma maneira específica de prevenção. Porém, existem tratamentos, que diminuem os sintomas e ajudam a pessoa no seu desenvolvimento social e intelectual. “Uma coisa que eu gostaria de deixar como mensagem, entretanto, é que o tratamento para o autismo não é com medicamentos. O tratamento para o autismo não é com dietas, não é com fórmulas especiais”, enfatizou Medeiros.

Conforme o especialista, o tratamento é fazer com que a criança desenvolva as habilidades de se comunicar e interagir com as pessoas, através de terapias. Terapia comportamental, destacando a terapia comportamental baseada em ABA (Applied Behavior Analysis – Análise de Comportamento Aplicado), fonoterapia e terapia ocupacional. Essas três formam, sobretudo, uma tríade das estimulações básicas essenciais que toda criança autista precisa nos seis primeiros anos de vida.

Marcos importantes para compreender o autismo na infância

O número de brasileiros que têm autismo não é exato, porque somente em 2019 há a Lei 13.861/2019 que inclui dados específicos sobre o autismo no Censo do IBGE. Contudo, estima-se que dos 70 milhões de pessoas que têm o transtorno, 2 milhões são do Brasil.

Assim, desde a sua descoberta em 1908 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, o autismo teve alguns pontos fundamentais na construção da sua história. Foram inúmeros estudos, novas definições, artigos, filmes, novos critérios e leis, que contribuíram sobretudo para hoje saber o que é o Transtorno do Espectro Autista. Compreender é fundamental para identificar o autismo na infância.

Começou em 1943 com a obra “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo” do psiquiatra Leo Kanner, onde o autor descreve o caso de 11 crianças que desde o início da vida se isolavam, pois tinham um desejo pela mesmice. O último marco de maior relevância foi a criação em 2015 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, aumentando a proteção de pessoas com TEA.

Autismo na infância é tema de estudos

*Texto da acadêmica de Jornalismo Catarina Bortolotto. Produção na disciplina de Webjornalismo.