Era logo depois do almoço, o tempo estava ensolarado e como de costume, Diego Jacinto Duarte, de 23 anos, ia lavar o carro. O Corsa de cor vermelha foi estacionado na frente de casa, no Santo Antônio, bairro tranquilo de Criciúma (SC). Por volta de três horas da tarde quando o jovem terminou a empreitada e o carro ficou pronto para passar o fim de semana. Com o calor que fazia no sábado de sol, Diego estava sem camiseta e sentiu algo gelado na nuca. De primeira, pensou que pudesse ser algo que caiu sobre suas costas, mas quando se deu conta, era o cano de uma arma apontada para ele. “É um assalto”, anunciavam três adolescentes.
Dia 17 de janeiro de 2009, data que ficou marcada para sempre na vida de Diego. Na memória com as lembranças e no corpo com as cicatrizes. O medo e a incerteza se sairia vivo tomaram conta dele. Jogado no banco de trás do carro – que tinha acabado de lavar – teve as mãos amarradas com câmaras de pneu de bicicleta.
Diego foi sequestrado e feito de refém pelos rapazes que roubaram um mercado no bairro Cidade Mineira Velha, em Criciúma. No caminho até ser solto, ele apanhou e só pensava que iria morrer. “Eles faziam roleta russa comigo. Como não sabia se realmente tinha bala na arma ou não, pensei várias vezes que ia morrer, não conseguia pensar em outra coisa”, conta.
Passados 13 anos do caso, hoje Diego está casado e tem um filho, Nícolas, de 7 anos. O pequeno nem imagina o que o pai enfrentou para estar hoje bem. Até o próprio Diego chegou a acreditar que não sairia vivo para desfrutar de tudo o que tem hoje. De todas as conquistas, Diego aprendeu a dar valor para o bem mais precioso que tem: a vida. E aproveita dela todos os momentos junto com a família, que esteve ao lado dele quando mais precisou.
Hoje, ele conta a história em detalhes, lembra de todos os sentimentos, sofrimentos e emoções. Após o sequestro, Diego foi abandonado em um matagal no bairro Urussanga Velha, uma comunidade rural da cidade vizinha, Içara (SC). E se não bastasse, teve as mãos amarradas entre uma árvore, com as câmaras de pneu e fios de energia elétrica.
Logo, pensou que seria encontrado em instantes e o sofrimento acabaria por ali. “Estava feliz por estar vivo”, e logo iniciou uma batalha para ser encontrado. “Comecei a gritar por socorro. Mas ninguém me ouvia. As casas eram longe e onde me amarraram ela distante da estrada. Passavam carros, mas ninguém me via ou ouvia”, lembra Diego. O jovem viu então que estava enganado e demoraria para ser encontrado, mas não imaginava que ficaria ali por três dias.
Os três dias mais longos da vida de Diego
Daquele momento em diante, Diego nem imaginava o que estava por vir. A esperança de ser encontrado diminuía em cada minuto que passava. Entretanto, o jovem começou uma luta incessante. “Socorro”. “Alguém me tira daqui”. “Me ajuda”, isso era o que o jovem não cansava de gritar. As horas foram passando e ninguém aparecia para socorrê-lo.
A noite foi chegou e com ela o frio, a fome e a sede. Com medo e cansaço de tanto berrar, Diego acabou desmaiando. “Apaguei, acho que de tão exausto que estava, mas logo acordava e continua gritando por socorro”, era o que ele mais pedia: socorro. Durante a madrugada, começou a chover, piorando a situação de Diego.
Como um instinto de sobrevivência, o jovem começou a fazer lodo com os pés – misturando a água da chuva com a terra – e jogou com os pés para o restante do corpo. “Não sei como pensei nisso na hora, mas a minha ideia era jogar aquele lodo para o meu corpo e criar uma espécie de proteção. E foi o que me ajudou. Segundo os médicos, não tive uma hipotermia pois a lama me protegeu”, lembra.
No dia seguinte, Diego começou a ter delírios. Ele lembra que esqueceu que estava naquelas condições e começou a ver uma festa em sua frente. “Eu via uma casa com um monte de gente. Gritava para eles virem me socorrer e ainda falava: vocês não estão me vendo? Aquilo parecia muito real”, descreve a cena lembrando da esperança que criou com o que estava vendo.
As horas foram passando e as coisas só pioravam. Fome, sede, frio e os delírios aumentavam a cada segundo. Ademais, ele estava sendo atacado pelos insetos. As borrachas e fios que amarravam Diego começaram a ferir, conforme ele fazia movimento de tentativas frustradas para tentar se soltar, e fizeram graves ferimentos.
A circulação do sangue para as mãos trancou e os fios cortavam a pele do jovem. Mesmo com tudo isso, Diego arranjava forças para continuar gritando e pedindo ajuda. “Fiquei ali, berrando a todo momento. Algumas motos e carros passavam, mas ninguém me ouvia”, lembra.
A casa mais perto ficava há cerca de 100 metros. Contudo, os moradores estavam na praia durante o fim de semana. Do segundo para o terceiro dia os delírios ficaram ainda piores. Diego conta que duas ‘pessoas’ sentaram ao lado dele e a todo momento falavam para ele não desistir. “Quando eles foram embora, minutos depois fui encontrado”. Seriam talvez dois anjos cuidando de Diego?
As duas buscas da polícia
A Polícia iniciou então duas buscas. A primeira pelos adolescentes que sequestraram Diego e que estavam foragidos Casa de Semiliberdade de Criciúma, que ficava ao lado da Delegacia de Polícia. Já a outra busca – junto com a corrida contra o tempo – pelo jovem que estava desaparecido. A família da vítima não conseguiu esperar por notícias sem fazer nada para ajudar. “Lotamos carros e vans e entramos matas a dentro para encontrar ele. Não iriamos desistir de encontra-lo. Nos dividimos entre amigos e familiares e fomos procurar”, lembra Laine Conceição hoje esposa de Diego, que na época era namorada.
Os três adolescentes, de 16 anos, que sequestraram Diego já eram conhecidos no meio policial. Logo, o trio acabou preso. O delegado da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCami) de Criciúma, Antônio Márcio Campos Neves, lembra da primeira coisa que fez quando encontrou os criminosos. “Questionei eles onde estava Diego. Fiz de tudo, pressionei, implorei, para que falassem onde estava o jovem para poder salva-lo. Eles só diziam que não iam contar, mas que o jovem estava vivo”, lembra o delegado, que não conseguia entender o motivo.
Fim do sequestro
Depois de três dias gritando por socorro, exausto, com frio, fome e sede, finalmente Diego foi encontrado. O morador de uma casa vizinha, Tiago Rabelo, ouviu os gritos na noite de segunda-feira, dia 19 de janeiro de 2009, mas ficou com medo e acabou ignorando. Segundo ele, frequentemente o local onde Diego estava amarrado era utilizado por usuários de drogas. “Mas, infelizmente quando eu precisei, eles não apareceram”, brinca Diego.
Na manhã de terça-feira, dia 20, Tiago voltou a ouvir os gritos, avisou o pai e então decidiram entrar na mata para ver o que estava acontecendo. Segundo Diego, de longe ele viu os moradores chegarem com espingardas nas mãos. “Eles disseram: nós vamos aí, mas se for drogado, vamos matar. Eu dizia para eles que podiam vir. Me identifiquei e falei que estava amarrado ali”, lembra Diego.
Tiago, o pai e um tio então se aproximaram e encontraram Diego naquela situação. Os moradores então acionaram o Corpo de Bombeiros, que logo chegou no local. Os três só descobriram que Diego estava desaparecido há três dias pela equipe de socorro. Diego foi encontrado por volta das 9h30min da manhã do dia 20 de janeiro de 2009, três dias após o sequestro.
Exausto, com sinais de hipotermia e com as mãos e braços completamente feridos. Mesmo após 13 anos do ocorrido, quem socorreu o jovem não esquece da cena que viu. “Não tem como esquecer do caso. Ele estava com os sinais vitais bem alterados. A mão deu para ver que não estava circulando sangue, acho que forçava para tentar sair e acabou piorando. Os dedos tinham a grossura de dois. Falava pouco, só dizia que tinha sido sequestrado. Acredito que mais um dia naquelas condições ele morria”, lembra o sargento do Corpo de Bombeiros Militar de Içara, Claudiomarcos Leandro de Ávila, que participou do resgate.
Diego foi então encaminhado ao Hospital São Donato, em Içara, pela ambulância dos Bombeiros. Ao saber do caso, o delegado Márcio foi direto para a unidade hospitalar esperar pelo jovem. “Tenho a imagem até hoje em minha cabeça. O corpo dele estava todo picado de inseto, ele estava muito magro e as mãos dele pareciam de gorilas”, compara.
Caso que marcou delegado
O delegado da DPCami de Criciúma que cuidou do caso, Márcio Campos Neves, lembra bem do que aconteceu naquele dia. Na época com 29 anos e pouco mais de 30 dias na polícia, os detalhes ainda estão nítidos na memória, mesmo após 13 anos do ocorrido.
“Esse foi um dos casos que mais me marcou, tanto que tenho nítido na cabeça todos os detalhes. Eu tinha cerca de 30 dias na Polícia Civil e me marcou muito pela gravidade e brutalidade do crime”, lembra Neves.
Os dias viraram momentos de muita angústia e emoção. Durante as buscas, o delegado concedeu muitas entrevistas para a imprensa, algo comum no exercício da profissão, mas este caso foi diferente. Em uma das reportagens a emoção falou mais forte. “Fui dar uma entrevista ao vivo no programa Linha Verdade do apresentador Ricardo Strauss e me emocionei, pois era uma coisa muito forte”, pontua o delegado.
Ainda segundo o delegado, os três participantes do sequestro foram apreendidos, mas em seguida presos. Quando completaram 18 anos, foram presos por outros crimes, um dele segue preso até hoje e os dois estão em liberdade.
Repercussão do caso ajuda Diego na recuperação
Rapidamente o caso repercutiu na região. O primeiro veículo de notícias que publicou o caso foi o antigo Jornal da Manhã, o impresso com maior circulação à época.
A jornalista Taíze Pizoni chegou para trabalhar no domingo, dia 18 de janeiro de 2009, e um colega comentou que o vizinho havia sido sequestrado. Rapidamente a profissional foi até a casa do jovem. “Esse caso marcou bastante. Lembro de ir na casa deles e conversar com os familiares no sofá da sala. Depois conversei também com o delegado que estava cuidando do caso e retornei à redação para escrever a matéria”, lembra a jornalista.
Taíze tem salvo até hoje as matérias que escreveu sobre o caso de Diego. Foram mais de 10 notícias escritas, algumas ocuparam a página toda do jornal. Depois, o veículo continuou acompanhando o caso de perto. Desde a apreensão dos adolescentes até a alta hospitalar de Diego.
“Além de divulgar, lembro que fizemos várias matérias para ajudar no tratamento. Ele precisava fazer um procedimento que não tinha aqui em Criciúma, então começamos a publicar materiais. Principalmente para ‘cobrar’ um retorno rápido das autoridades”, lembra Taíze. A imprensa atuou como podia para ajudar no caso de Diego. Durante as buscas do jovem e dos criminosos, pedindo ajuda da população; atualizando sobre o estado de saúde dele; cobrando resposta de autoridades.
Início da uma nova luta
Após ser encontrado, inicia então uma nova luta: tentar recuperar as mãos de Diego. Com mais de 60 horas sem a circulação do sangue, os membros ficaram com isquemia severa. O jovem ficou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por três dias e em seguida foi transferido para o Hospital Santa Isabel, em Blumenau (SC). A decisão da transferência foi dos médicos que acompanhavam o caso, com o intuito de que o jovem conseguisse realizar terapia hiperbárica.
O procedimento ajudou muito na recuperação, junto com as fisioterapias e o cuidado que tinha da família. A namorada de Diego – atual esposa – largou o emprego e ficou cuidando dele. “Eu levava ele em todos os lugares que precisava. Médico, fisioterapia. Era sempre comigo”, lembra Laine. Com os tratamentos, Diego conseguiu recuperar parte do movimento das mãos, mas algumas atividades ainda ficam prejudicadas, como abrir a mão completamente.
“Estou fazendo um curso de informática e sinto bastante dor nas mãos quando termino as aulas. Os movimentos repetitivos doem, pois preciso forçar bastante”, conta Diego. Atividades como lavar a louça, varrer a casa, dirigir. Tarefas rotineiras no dia a dia de muitas pessoas, mas que se tornaram um desafio a ser vencido por Diego, hoje com 36 anos.
Um dos maiores medos dele, e o maior desafio enfrentado, foi voltar a dirigir. Ele sempre gostou muito de carro, tanto que no dia do sequestro estava lavando o veículo na frente de casa, e o maior receio era não conseguir voltar a pegar o volante. Essa foi uma das coisas que mais demorou para voltar a fazer.
Foram cerca de oito anos após o ocorrido, pelo incentivo e insistência da esposa, que Diego conseguiu conduzir o carro. “A maior dificuldade era com o volante. Eu colocava a mão no volante e não conseguia tirar com facilidade para trocar a marcha. Chegou um momento que desisti, achei que não ia dar mais. Uma vez minha esposa insistiu e eu acabei conseguindo. Foi um dia de muita emoção”, lembra Diego.
Mesmo voltando a dirigir, o movimento que ele precisa realizar com a mão para trocar a marcha, ainda dói. Mas ele não desistiu e conseguiu uma forma de fazer o movimento sem sentir dor. “Agora já peguei o jeito”, brinca. Sem poder trabalhar, Diego ainda busca na Justiça um aposento.
Mas quem pensa que ele fica em casa sem fazer nada, está bem enganado. Enquanto a esposa trabalha fora, as atividades domésticas são realizadas por ele. Varre a casa, lava a louça e ajuda no que for necessário. Claro, tudo com certas limitações. Tudo que Diego faz é considerado uma vitória para ele, pois um dia chegou a pensar que iria perder as mãos. O tratamento foi longo para conseguir salvar os membros e contou com a ajuda de muitas pessoas.
Reportagem literária especial das acadêmicas de Jornalismo Caroline Sartori e Catarina Bortolotto, produzidas na disciplina de Gêneros e Formatos Jornalísticos.