Sabe quando aquelas histórias dos filmes da sessão da tarde que a gente tanto gosta (ou detesta, caso você seja esse tipo de pessoa) se tornam reais? Quando em um domingo de inverno você, com sua calça preta desbotada, um suéter marrom e os cabelos desgrenhados, decide por um milagre do destino, aceitar o convite daquele amigo sedentário para caminhar no parque?

Seu amigo, já desacreditado de que você aceitaria, convida um outro amigo para a casa dele e a história acabaria ali, se você não estivesse de saco cheio da impertinência do destino. Então, você convence ambos que caminhar faz bem. Logo você, que ama um sofá e uma coberta. Os dois topam e, como isso é uma daquelas histórias de romances baratos, você se apaixona.

Como em um roteiro manjado, você se vê novamente refém do final feliz. Mas estaria sendo desonesta com você, meu caro leitor, se dissesse que todas as histórias de amor são como nos filmes e livros, mas posso garantir que a maior parte dos escritores e roteiristas tiraram pelo menos um dos ingredientes dessas histórias da vida real.

Os romances que conhecemos são divididos em três fases: Negação, Barganha e Aceitação. Para provar a você que a vida real é a maior das inspirações dos clichês, vou lhe contar três histórias de amor.

Para a fase de negação, que é quando o cérebro recebe um murro bem dado pelo coração e entende que o frio na barriga não tem nada a ver com o que você comeu no almoço, vou lhe contar a história de Gisiani e Everton.

Pegue o seu cobertor, o pote de sorvete, a pizza e sente no sofá, por que nós vamos começar.

Negação

Era o penúltimo dia do ano de 2001. A garota, deitada na cama com a cabeça pendendo para fora, aguardava uma ligação importante. A uma hora de distância dali, um garoto discava e apagava o mesmo número algumas vezes. Ligaria para ela? Teria uma resposta? Talvez não devesse incomodá-la assim tão perto das festas de fim de ano.

Encheu os pulmões de coragem e ligou. Sentiu os joelhos bambearem e por culpa do destino ou dos botões surrados do Nokia tijolão, ouviu uma voz responder antes que desligasse o telefone. “Oi”, ela respondeu. “Não sabia se ligaria. Como foi com ela?”. Com os olhos marejados, conteve a respiração ao finalizar a chamada dizendo “Você pode vir para cá?” e sem nem pensar direito, ela concordou.

Com um salto da cama, correu para avisar a mãe que não passaria o final do ano em casa. “Como assim?”, perguntou a mãe. “Vou para Laguna. Meu amigo, precisa de mim”. Meio a contragosto, teve a permissão que esperava. Pela janela do ônibus, via a si mesma parada com a mochila nas costas e as pantufas na mão, esperando por ele (saíra tão depressa de casa que nem notara que calçava pantufas. Sua sorte era o par de All Star xadrez surrado que carregava para todos os cantos). O ônibus deu a partida e, com um sorriso, fechou os olhos enquanto adormecia, imaginando a recepção calorosa que teria.

Enquanto isso, ele trocava de camiseta pela quinta vez. Não entendia como de repente todas as suas roupas pareciam não encaixar naquela ocasião. “Você só vai na rodoviária”, pensou. Ouviu seu irmão gritar do corredor e com isso, olhou para o despertador e viu que já estava atrasado.

Não seria a primeira vez que se encontrariam. Já se conheciam há muito tempo. Até já tinha saído algumas vezes com a irmã dela. Mas por que hoje era diferente? Porque hoje foi o dia em que finalmente percebeu que estava apaixonado. Ok que o coração estava levemente partido, mas nada melhor para curar a dor de um amor acabado que um outro amor recém descoberto.

Mas você pode me questionar, meu caro leitor, e dizer que os amores da juventude não duram muito mais que um verão. Será mesmo que não? Naquele verão, a relação dos dois foi um pouco além da amizade e, como em todo filme hollywoodiano, quando tudo vai bem demais, algumas pedras precisam ser colocadas no caminho dos protagonistas. Nesse caso, veio a gravidez.

“Mas plot de gravidez já está batido!” Eu não lhe falei que essa história seria um clichê? Você pode abandonar esse texto a qualquer momento, mas pense bem, há muitas coisas ainda que não lhe contei e sei que sua curiosidade não permitirá que vá embora sem um final para esses dois.

 Era apenas uma quarta-feira qualquer na vida de uma adolescente de dezessete anos. Ela ainda não sabia, mas em algumas horas, seu destino iria mudar. “Preciso da sua ajuda.”, disse sua amiga. “Preciso fazer um teste de gravidez, mas não tenho coragem, você faz comigo?”, meio sem entender, ela aceitou.

 O sol ainda estava alto quando saíram do banheiro. “Deu negativo. Ainda terei o pescoço no lugar por um tempo. Obrigada por me ajudar.” Ainda em choque, balbuciou “Deu positivo”. A amiga sem entender, tira o teste da mão dela. “Não sabia que você estava…”, foi interrompida, “Não estava”. Com uma expressão confusa em seus rostos, as duas se sentam na cama. “Vou ligar para ele”, suspira.

Ainda hoje, vinte e dois anos depois, Gisiani e Everton relembram as histórias na mesa do jantar com suas filhas. Como em todo bom romance, eles juntaram as pedras e os galhos (e que galhos!) do caminho, sentaram e fizeram uma fogueira.

Na segunda etapa de um romance, nos deparamos com a Barganha, que nada mais é que um jogo de cartas entre o cérebro e o coração. O coração, vendo que está perdendo, grita truco, fazendo o cérebro declinar. Agora que você sabe a tática trapaceira do coração, pode conhecer a história das Luízas. Sim, são duas Luízas mesmo.

Barganha

Ela se via em uma corda bamba, tendo que ficar entre seguir a sua vida ou resgatar sua princesa, perdida em seus próprios anseios. Ela, como já era esperado, voltou pelo caminho mais estreito da floresta, tendo que se desvencilhar inúmeras vezes dos espinhos que sua própria princesa colocara entre elas. Teria sido mais fácil não ter que atravessar o rio venenoso que exalava preconceito em forma de vapor e água quente. Teria sido mais rápido ter seguido adiante. Teria sido mais simples, menos doloroso, menos duvidoso. Mas se tivesse continuado em frente, não teria visto os espinhos virarem flores e a floresta se transformar no Jardim do Éden.

O amor não machuca. Mas, às vezes, o caminho até ele pode machucar. Ela entendeu isso em todas as vezes que ouviu sua princesa dizer que não estava pronta para assumir um sentimento que ainda nem entendia. E ela esperou. A cada ligação desligada, em cada mensagem enviada, ela esperou. Depois de alguns anos e algumas tentativas, desistiram de tentar. Amores adolescentes duram tão pouco, não?

Ela já estava com outra pessoa e sua princesa tinha encontrado um “príncipe” (daqueles que lhe entregaria como oferenda aos deuses, se fosse para salvar a própria pele). Seria mais fácil continuar como estava, sua nova garota era legal. Mas ela sempre detestou a palavra “fácil”. Jogos fáceis demais nunca tiveram graça.

“Oi amor, coloquei crédito no seu celular para conversarmos enquanto está na casa da sua avó.”, dizia a mensagem de sua nova garota. Naquele fim de semana, elas terminaram e o crédito no celular serviu para que reatasse com sua princesa.

Bastou uma carta na manga (nesse caso, crédito para celular) para que convencesse sua princesa de que valia a pena tentar novamente. E a princesa, que já aguardava por esse momento, aceitou. Assim, elas juntaram alguns materiais da floresta e construíram uma casa no jardim. O jardim delas. Onde podiam ser quem quisessem que estariam blindadas com amor.

Atualmente, as Luizas estão em processo de mudança para o apartamento delas. Estão noivas e têm dois gatinhos lindos. Às vezes, é incrível perceber que a tampa de outra panela serve perfeitamente na sua frigideira. Por isso, meu caro leitor, não desista do amor. Você pode apenas não o ter encontrado ainda ou não está olhando direito para os lados.

Mas ainda não saia desta página! Tenho mais uma história para lhe contar. Essa é sobre Aceitação, que ocorre quando o coração já está tão cansado de se frustrar que deixa o cérebro tomar conta de tudo. E o cérebro, vendo que o coração merece um final feliz, o acolhe e mostra o caminho feliz (talvez não pareça muito sensato, mas será feliz). Para a última etapa da construção de um romance, vou lhe contar a história da Vivian e do Giliard.

Aceitação

Um garoto se arruma para ir à escola. Seu relógio marcava sete horas. Enquanto isso, longe dali, uma garota ainda está dormindo. Para ela, ainda faltam três horas para o despertador tocar. É engraçado como a vida acontece em momentos diferentes para cada pessoa. Mas eu te pergunto, quanto tempo o amor pode esperar? Qual o limite do coração para guardar um sentimento?

Meia década depois, ele dava corda em seu relógio e adiantava-o mais um pouco. Não podia perder o horário do carteiro. Mesmo adiantando, sempre chegava atrasado, pelo menos era o que acreditava. Talvez essa fosse a maneira da vida de mostrar a ele que chegava cedo demais.

Era época de Natal. Ela voltava das compras natalinas com seu namorado. Estava feliz, ou era o que repetia diariamente para si mesma. Não pensava mais naquele garoto que conhecera anos atrás. Eram amigos, mas não pensava mais nele. Era o que passava em sua cabeça, enquanto via seu namorado colocar os presentes debaixo da árvore. “O que é isso?” Teve os pensamentos interrompidos e indagou com os olhos. “Um cartão de Natal, com um selo de Londres. É para você.” disso ao entregá-lo a ela. “Não sei, deve ser de algum amigo.”, e largou em cima da mesa. “Depois eu leio.”, disse enquanto se dirigia para a árvore. Mas ela sabia exatamente de quem era aquele cartão.

Já era madrugada e ainda não tinha pregado os olhos. Como poderia? Aquele cartão parecia um letreiro de hotel de beira de estrada, dizendo “Me leia.”. Pegou o cartão e abriu, passou os olhos pelas palavras e o rasgou. Como ele pôde trazer de volta um sentimento tão antigo? Ele não tinha o direito de se declarar para ela, ainda mais de maneira tão única. Era injusto com o sentimento dela pelo seu namorado. Era injusto com o sentimento que ela tentava sentir pelo namorado. E era cruel demais com o sentimento que fingia não sentir por ele. Chorou como uma criança com o joelho ralado e adormeceu sobre os pedaços da carta.

Naquela noite, o tempo congelou e a manteve presa por alguns dias. Enquanto isso, ele retornava de sua viagem e, ao chegar em casa, viu que seu relógio estava parado. É engraçado como às vezes as coisas acontecem no momento exato em que não programamos elas, como quando esquecemos o guarda-chuva e recebemos uma carona, minutos antes da chuva.

O amor é paciente, astuto e gentil, mas quando consegue implantar a sementinha da dúvida na cabeça de alguém, não descansa enquanto não desestabiliza tudo em apenas dois dias. Naquela mesma semana, ela terminou o namoro.

No meio de sua viagem de fim de ano, soube que ele havia voltado para casa. Era o momento perfeito para revisitar Santa Catarina. Quanto tempo leva para se afogar no amor? Para eles, apenas uma semana.

É incrível como, magicamente, o ponteiro de ambos os relógios voltou a girar no momento em que se encontraram naquela última semana de dezembro e, pela primeira vez em quase uma década, marcaram a mesma hora e minuto. Porque nunca foi sobre pilhas e adiantamentos de horários. Esse tempo todo, bastava apenas aceitar e acreditar no que sentiam.

E naquela mesma semana, ele juntou todos os ponteiros dos relógios, os derreteu e os usou para pedi-la em casamento. E ela finalmente disse sim.

O amor às vezes só precisa ser apreciado na sua maneira real. Sei que é mais fácil acreditar nas histórias que duram noventa minutos, mas olhe à sua volta, meu caro leitor, sei que vai encontrar uma ou duas histórias que valem a pena serem ouvidas. Talvez uma delas seja a sua.

  • Maria Eduarda Paganini. Crônica jornalística produzida na disciplina de Gêneros e Formatos, curso de Jornalismo da UniSatc. Supervisão: professora Marli Vitali.