As competições de paraskates vão além de uma demonstração de capacidade para os juízes. Para os competidores, é uma prova de habilidades para si mesmos perante aos obstáculos do esporte. Em uma das modalidades do STU (Skate Total Urbe) em Florianópolis, os paratletas enfrentaram o Park, enquanto em Criciúma, o seu desafio foi o Street. Em ambas as situações, os esforços e treinamentos para as apresentações não cessam desde a sua chegada nos municípios. Já as próximas etapas do STU prometem ser acirradas, mas a preocupação dos paratletas vai além das pistas e cai na representatividade das pessoas com deficiência. Novamente nas pistas do Park, os skatistas competiram em Porto Alegre, e ficam no aguardo e nos treinos para as próximas etapas, em setembro e outubro, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Para alguns atletas a sua maior dificuldade é aprender as manobras que irão impressionar o seu público, já para o paratleta Nando Araújo, de 30 anos, natural do Rio Janeiro, o seu maior confronto foi conciliar o seu empecilho natural, a sua deficiência visual. Nando, ou skatista cego como é conhecido na mídia, conta que o skate o acompanhou desde criança, e uma das suas maiores inspirações era o jogo Tony Hawk, que estimulava a sua imaginação a fazer manobras na pista. “Há sete anos atrás eu decidi mesmo a andar de skate, aprender as manobras e participar dos campeonatos”, conta Araújo.
Nando já fazia outros esportes, fazia natação e era faixa marrom de judô, mas resolveu abandonar as outras áreas para se dedicar completamente ao skate. “Hoje eu faço um trabalho de mostrar para todos os deficientes visuais que o skate é um esporte que qualquer deficiente pode participar, é um esporte inclusivo”. O seu percurso no início foi difícil, tiveram vários tombos e machucados, mas com a ajuda do seu coach, Leonardo Scott, conseguiu fazer uma costura entre os obstáculos para assim desviá-los. “A gente desenvolveu o método de utilização da bengala guia pro skate”, revela o treinador. Essa técnica consiste em analisar todas as áreas da pista com a bengala, em algumas situações com a mão, para ter uma maior precisão.
A relação de confiança que o skatista possui com o seu treinador iniciou através de um convite pelas redes sociais, para trocarem ideias pessoalmente sobre o esporte, e neste momento, Scott começou a desenvolver ideias para trabalhar com o seu atleta. “Eu vi que no início ele contava os passos até os obstáculos, contava os segundo. Mas quando ele subia no skate não dava porque aí já não são mais passos, o tempo e a velocidade são outros. Aí eu falei você vai ter que usar a bengala e vai ter que desenvolver”, explica o treinador.
No entanto, a sua recepção nas competições não foi a que esperava no início. “Na verdade, meu sonho mesmo era andar de skate e participar dos campeonatos”. Araújo conta que em alguns campeonatos houve certa resistência em aceitar a sua participação. Segundo o seu treinador, eles invadiram as provas, e só no ano seguinte com o apoio da Associação Brasileira de Paraskate (ABPSK) que eles conseguiram ser regulamentados.
Uma associação com o papel da representação
A ABPSK é uma associação sem fins lucrativos, criada para defender a representatividade do esporte junto aos órgãos oficiais e defender a introdução do skate para pessoas com deficiência. Por meio de um trabalho em conjunto e de parcerias com o setor público e privado, a iniciativa surgiu após a realização do Circuito Paraskate Tour, em São Paulo, um campeonato exclusivo da modalidade, que teve sua primeira edição em 2021.
“Quando eu comecei a andar de skate, não tinha muito essa parada do paraskate. Isso foi meio que uma criação nossa de uns anos pra cá. A gente sempre se juntava para correr aos campeonatos, e a gente precisava de uma entidade que nos representasse”, aponta o presidente da ABPSK, Vinicios Sardi. Nesse momento, surge a Associação, com o intuito de representar os atletas PCDs institucionalmente, na questão de regulamentar os campeonatos e a modalidade.
“Eu sou o fundador, sou o presidente, mas nós também temos outros paraskatistas na diretoria, porque a Associação é de Paraskatista para os Paraskatistas. Somos uma associação que tem o papel de trabalho nacional”. Hoje, a associação conta com mais de 50 associados, sendo que, pelo menos, 25 deles são atletas de competição.
Uma imagem de inspiração dividido em foco e disciplina
Vinicios Sardi, ou Vini Sardi, o representante dos paratletas na mesa da coletiva, conta com 12 anos de atuação no skate, e o atleta reforça os seus esforços para representação das pessoas com deficiência (PCDs) no esporte. Apesar de possuir vários anos de experiência, Sardi demonstra que a sua preocupação contínua. Vindo de uma lesão no ombro que sofreu no início do ano, o atleta está na fisioterapia em busca de recuperação física, mas também emocional. “Isso acaba tirando um pouco da confiança das manobras e da competição. Então, pra mim tá sendo um desafio eu conseguir fazer a minha linha com confiança e não ficar pensando no ombro e cair”.
Para então, manter o seu desempenho na pista, ele segue com uma rotina de treino, com academia, funcional e treinos consistentes. “Acho que é isso, pra sempre manter o desempenho em cima do skate também é um cuidado com o corpo para prolongar o alto desempenho nos campeonatos”, frisa Sardi.
Uma luta além das pistas
Para alguns skatistas, a radiação ou o balão na pista é uma preocupação para o seu desempenho. Isso devido ao fato de existir alguém sem prestar atenção ao redor e estar apenas atrapalhando as manobras. Já para Tony Alves, o vice-presidente da ABPSK, a sua preocupação era a busca por termos mais igualitários no skate, que surgiu próximo dos seus 11 anos, quando começou a competir. Na sua época, não havia a categoria do paraskate, sobrando apenas o padrão. “Eu competia com outras pessoas sem deficiência nenhuma, e era incrível, poder estar ali, competindo e disputando de igual para igual. Mas mesmo assim, eu vi o pessoal tentando uns bagulhos que eu ficava ‘será que eu consigo?’, aí eu ficava naquela disputa”, ressalta Alves.
O seu primeiro contato com skate foi com a locomoção. “Depois eu aprendi que tinha campeonatos, manobras e tudo mais. Era uma brincadeira. O primeiro campeonato que eu participei, eu fui assistir, e pediram para eu participar. E aí eu participei, fiquei em terceiro lugar na categoria infantil ainda”. Neste período, começou a se envolver com campeonatos regionais, e depois de um tempo começou a sonhar mais longe, participando também em outros estados.
“Quando eu comecei não imaginava que seria assim. Eu tentava me igualar mais com o nível dos caras, até que hoje em dia tem a categoria do paraskate, algo mais igualitário. A gente está disputando na medida do possível, né?! De igual para igual. E tem sido incrível. Cada evento que passa mais atletas surgem mais skatistas, mais eventos e mais mídia, e tudo. Tem sido uma vivência muito da hora”, acentua Alves.
Essa já é a sua segunda vez no STU de Criciúma, e por estar disputando na sua pista de conforto, o street, conta que está mais à vontade. “A pista do STU de Criciúma é uma pista muito boa, que valoriza o skate técnico, não tem obstáculos gigantes, dá pra você mandar uma manobra de alto nível sem ter que morrer tentando”.
Um legado para as futuras gerações do esporte
Assim como alguns atletas foram inspirados pelos jogos de videogame, outros podem ser inspirados pela popularização desta modalidade. “O que a gente espera de todo evento de skate que a gente vá, seja toda oficina ou vivência é deixar um legado. Com a influência dele, e ele mostrando que é possível a parte técnica do método da bengala, a gente consegue ensinar”, informa Scott.
O treinador do Araújo conta que no último STU, realizado no Rio de Janeiro, a dupla teve a experiência de apresentar um primeiro contato com o skate para um deficiente visual. “A gente foi lá fez o reconhecimento de pista com ele, ensinamos ele a ficar em cima do skate. E um mês depois, começamos a dar aula para esse menino”.
Essa não foi a única atitude que o Skatista Cego esteve presente. Há dois anos, em Campos, o paratleta esteve em uma palestra em uma instituição para deficientes visuais, e conseguiu apresentar para um dos presentes uma forma de praticar o esporte. “Nessa questão de deixar um legado, eu consegui deixar um menino andando de skate, consegui um skate para ele e fiz ele praticar o esporte”, diz Araújo.
Para o paratleta ações como essa tem grande significado, pois no começo da sua trajetória não recebeu o apoio que acreditava ter. “A caminhada foi difícil, mais difícil nem foi aprender as manobras, foi no início que a galera se afastou de mim porque não acreditou no meu potencial, se afastaram, falaram que não ia dar certo. E eu acreditei, falei vou andar de skate mesmo que eu não participe dos campeonatos, mas eu quero isso para minha vida”, destaca Skatista Cego.
Hoje, Araújo ao lado de Sardi e Alves, e de suas parcerias com o setor público e privado, garantem melhores oportunidades para o público PCD na área esportiva.
Texto e fotos: Letícia Cardoso – Acadêmica de Jornalismo UniSatc