Há três anos, quando máquinas ainda tomavam conta do espaço em que hoje se encontra o Skate Park de Criciúma, não se podia imaginar que a cidade estaria dando início a sua trajetória na rota do skate nacional. Criciúma e o Circuito Nacional de Skate, o STU National, começariam uma história que ultrapassaria as duas semanas de competições nas modalidades Park e Street, e chegaria em famílias que mudaram suas vidas pelo esporte.

O skate, esporte criado nos Estados Unidos, conquistou o mundo pela atmosfera criada entre os amantes da modalidade, a maneira fluida em que pode ser praticado e a inclusão de etnias, classes sociais e gêneros.

A influência do “efeito Olimpíada” alavancou a procura pelo skate no Brasil, onde em 2021 chegou a 1.150% nas semanas seguintes a competição. Atualmente, com mais de oito milhões de praticantes no país, o esporte foi inserido nos Jogos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para rejuvenescer o público e atrair mais audiência. O bom desempenho dos atletas brasileiros na última edição das Olimpíadas influenciou diretamente na procura e pesquisa de assessórios e itens relacionados ao esporte.

As ações levaram a movimentação de cerca de R$ 1 bilhão por ano de acordo com pesquisa realizada pela Sports Good Intelligence (SGI), em parceria com a Adventure Sports Fair (ASF) e a promotora alemã de eventos esportivos ISPO.

Em Criciúma, o aumento pela busca do skate foi notado logo cedo de acordo com o presidente da Fundação Municipal de Esportes (FME), Neto Uggioni. Atualmente cerca de 2,8 mil crianças e adolescestes são atendidos em projetos sociais por meio de investimentos da FME, que ainda deve chegar a 4 mil novos participantes em 2024 com aumento de vagas. No skate, a cidade conta com o ‘Prefa Kids’, projeto social criado e desenvolvido por Christian Cardoso, agora com parceria da FME. Crianças a partir dos quatro anos podem receber aulas gratuitas de ambas as modalidades.

“Criciúma nos últimos dois anos tem sido referência e está entre as 10 cidades que mais investem no esporte. O trabalho de base feito através do programa ‘Mais esporte mais futuro’ tem corroborado para a formação de novos atletas, além de trabalhar vários aspectos multifatoriais, impactando e transformado a vida de cada participante”, expõe o presidente da FME, Neto Uggioni. 

Vidas mudadas com a realização do STU Criciúma

A paixão pelo esporte aflorou em Paola Moreira aos cinco anos de idade quando, na casa do tio, observou um skate pequeno. Foi então que o encanto fez com que a brincadeira se tornasse sua nova aventura. A menina ficou curiosa e decidiu então que deveria pedir a seus pais um skate, já que era seu desejo poder andar em um shape que comportasse seu tamanho. “Eu pedi um skate a meus pais, mas eles acharam que era muito perigoso e não me deram”, conta Paola.

Assim que o pedido foi feito, o skate realmente pareceu perigoso aos pais da menina, que decidiram esperar um pouco mais. “No início achamos que era ”fogo de palha”, ninguém andava de skate na família. Mas, logo depois que Paola assistiu a Rayssa nas Olimpíadas, ficou claro que ela tinha se apaixonado e decidimos dar a ela um skate usado. Nos surpreendemos porque assim que ela colocou o pé, já saiu andando! Foi muito natural”, explicou o pai de Paola, Paulo Moreira.

Assim foi o início de algo que mudaria a vida da família Moreira. Moradores de Torres, litoral do Rio Grande do Sul, os pais de Paola, Paulo e Jessica, começaram a levar a filha até a pista de sua antiga cidade até resolverem mudar de seu estado rumo a Criciúma, para que Paola pudesse desfrutar da estrutura que a cidade possui no esporte. Hoje, Paola integra o projeto social “Prefa Skate Kids”, ambiente em que ela e seu irmão mais velho, Samuel, de 10 anos, têm aulas de skate.

“Tem gente que está andando em pistas de outros estados do Brasil e vem pra Criciúma. A gente sabe que nossa cidade é conhecida por esses eventos grandes e é uma riqueza que não tem preço. Para praticantes acrescenta muito, a nível de competição”, explica Paulo.

A família Moreira carrega seus skates para todo lado, já fazem parte da rotina de todos.

A mudança da família ocorreu logo após a etapa do STU Criciúma em 2022, ano em que Paola pode finalmente conhecer sua referência no skate, a fadinha, Rayssa Leal, que levou para casa o primeiro lugar daquele ano. Paola andava pelo parque com seu skate quando Mulkaa, skatista local a viu e ofereceu aulas para a menina.

Samuel da Silva, ou apenas Mulkaa, é skatista desde a infância. Com quatro anos o skate chamou sua atenção e tem espaço estabelecido em sua vida até hoje. “Nunca tive alguém que me incentivasse no skate, apenas passei por ele e gostei. Então as coisas vão acontecendo, a gente vai vivendo e conhecendo pessoas nisso. Nunca fui de correr campeonatos, não sou profissional, só me dedico nessa parte de pode passar o que eu sei”, expõe Mulkaa.

Em um dia chuvoso, a menina corajosa andando de skate chamou sua atenção. Após esse dia, mais encontros aconteceram na pista e Mulkaa percebeu que os pais da menina estavam trazendo ela com mais frequência para Criciúma. Ele decidiu fazer o convite para que Paola recebesse algumas aulas de skate, caso a família mudasse de cidade. “O mais interessante é que a Paola ama skate, ela se interessa, sempre buscando se corrigir. Ela também é muito corajosa, algo bem importante para o skate”, explica o skatista.

O desejo de incentivar a filha foi abraçado pela família que seguiu com os três filhos em busca do sonho da menina.

“Viemos no STU em 2022, conhecemos e participamos de um campeonato infantil aqui, Paola ficou muito bem colocada e recebeu um patrocínio. Por esse motivo nos mudamos”, explica Paulo. 

A rotina de treinos é levada muito a sério pela família. O irmão de Paola, Samuel, seguiu o caminho da irmã como skatista e também participa das aulas. Por sua idade, Paola ainda não decidiu por qual modalidade irá seguir, por isso costuma praticar tanto o Park quanto Street. Ela passa pelo desafio de ambos muito bem, e recebe aulas de skate de segunda a sexta-feira com seu professor Christian, sempre pela manhã, e em outros horários na companhia de seu pai. “Paola ama andar, mesmo quando vamos ao parque para ter outro momento de lazer, ela acaba sempre pegando o caminho para a pista com seu skate”, brinca Paulo.

Paola e o irmão já participam de campeonatos regionais e nacionais, em destaque o Bowl de Urussanga, o qual Paola terminou em 2° lugar. Assim como a competição de Street, em Criciúma. Em Torres, na competição sub-14 feminina e masculina obteve o 3° lugar. Em Santo Amaro da Imperatriz na Taça Catarinense, a skatista conseguiu a classificação para o Campeonato Brasileiro em Cascavel, onde ficou em 30° lugar entre as 43 meninas que participaram do evento. Hoje, os planos da família no skate aumentam a cada ano, e até mesmo o pai se rende e anda de skate.

Durante os intervalos da competição, Paola aproveitava o tempo para aperfeiçoar suas manobras.

Muito além do skate, valores e princípios são ensinados por meio do esporte

Logo aos cinco anos de idade, Christian Cardoso, Chris como gosta de ser chamado, começou sua vida com o skate. Mas, pela rotina de uma vida agitada acabou deixando a prática ao completar 20 anos, sem nunca perder o vínculo com o esporte. Após 25 anos sem a prática, resolveu voltar para poder ensinar seu filho. Pedro, de 12 anos, a andar de skate e aprender outros esportes. Foi ao frequentar pistas de skate na região, e em especial, o Skate Park de Criciúma, que Christian notou que a busca e curiosidade pelo skate haviam aumentado, já que na pista era possível ver crianças sozinhas tentando aprender mais do esporte radical.

“Comecei a levar Pedro para a pista e quase sempre chegava uma criança. Vinha até nós pedindo para dar uma volta, pedindo skate emprestado. Quando comecei a frequentar mais, pude perceber que algumas crianças andavam sem equipamentos, tinham algumas crianças carentes. Foi então que notei a necessidade de ajudar outras crianças a aprenderem mais sobre a modalidade”, conta Chris.

Após entender a necessidade do local, Christian começou a arrecadar tênis e peças de skates usados para montar novos shapes para as crianças. Ao conhecer as histórias e perceber o interesse das crianças ele decidiu montar o projeto ‘Prefa Kids’. No início as aulas eram somente a noite, após as 19 horas, já que Christian saia de seu trabalho como representante comercial e ia para a pista conceder as aulas.

“Comecei a notar que muitas crianças ficavam até tarde sozinhas na pista, pude conhecer as histórias delas e muitas eram tristes. Decidi criar um Instagram e comecei a cadastrar cada um. O projeto cresceu rapidamente e nove meses atrás deixei meu emprego para me dedicar 100% a essas crianças e adolescentes, já que meu coração já estava lá na pista com a criançada. É uma missão de ajudar o próximo em amor, apenas em amor”, explica o criador do projeto.

Completando um ano de criação, o ‘Prefa Kids’ possui 185 crianças que assim como Paola são cadastradas e possuem aulas tanto individuais quanto por turmas, durante as manhãs e tardes de segunda a sexta-feira. O projeto é patrocinado por empresas e futuramente terá vínculo com o programa da FME + Esporte + Futuro. Para participar do projeto não há custo algum, mais de 100 skates completos já foram montados e doados aos participantes. Para continuar nas aulas, as crianças devem ter boas notas na escola, obediência em casa e respeito na pista.

“Nós formamos campeões para a vida, dando direção e oportunidade. Se forem campeões no skate também, melhor ainda. O skate é uma ferramenta de inclusão social, uma ferramenta para retirar o medo, a timidez. Somos inclusão e sempre torcendo uns pelos outros”, explica Chris.

Para Christian, o que encanta no skate é a rica cultura de inclusão e coletividade do esporte, apesar de ser praticado individualmente, em campeonatos o oponente torcerá pelo adversário e ficará feliz pela conquista do amigo. “O skate é o esporte individual mais coletivo. A galera torce por todos, é algo impressionante. Tu vais vibrar se teu rival fizer uma volta melhor que a tua, não ficar triste se ele for campeão”, exclama Christian.

Criciúma: Cidade do Skate

Para o prefeito de Criciúma, Clésio Salvaro, um dos principais benefícios em receber na cidade a etapa de um evento esportivo de destaque nacional é a atenção que a cidade recebe, o que beneficia um dos principais objetivos dos últimos anos, o fomento do turismo e a prática esportiva. Para Salvaro, Criciúma ganhar o título de ‘Cidade do Skate’ é gratificante.

“Receber atletas de destaque, imprensa local e nacional e a grande quantidade de visitantes de outros municípios e estados, só fortalece o destaque que Criciúma tem recebido nos últimos anos. Aumentando a economia local, potencializando as atrações turísticas da cidade e, principalmente, fazendo ela ser reconhecida como uma cidade de qualidade para se morar em nível nacional. Como já vem recebendo no último ano”, expõe o prefeito.

Além disso, ele afirma que a vinda de um campeonato de skate reconhecido nacionalmente, ajuda a enaltecer o olhar para esta prática na cidade. “Promovemos em Criciúma a prática de diversos esportes. Porém, nos últimos anos o skate vem sendo destaque. Assim, poder contribuir no desenvolvimento de crianças, adolescentes e adultos por meio do esporte é gratificante. O esporte mexe com a emoção e incentivá-los com a vinda de skatistas profissionais e mostrar a importância de ações sociais, como o Prefa Kids, são frutos desse grande campeonato que Criciúma vem sendo responsável por sediar nos últimos anos”, completa.

Park e street, qual a diferença entre as modalidades?

Modalidades olímpicas, as pistas de Street e Park transformam elementos do dia a dia em obstáculos a serem vencidos pelos atletas. Elementos parecidos, mas usados de maneiras diferentes podem ser encontrados em ambas as pistas, entenda diferença entre Street, Park e Bowl.

“O Street vem de “rua”. São obstáculos da rua levados para dentro da pista, como as escadarias, corrimões e paredes. Já o Bowl, é uma pista em forma de piscina, com paredes de três a quatro metros. Também temos Bowl com paredes menores, chamados “banks”. Por fim, a pista onde é realizada a modalidade Park junta o Bowl, banks e alguns elementos do Street”, explica Christian.

Infográfico produzido por Gabriel Serafim, acadêmico de Design.

Os reflexos do STU na cena local

Para Christian, ao ver seus ídolos pessoalmente por meio dos eventos e campeonatos, crianças e adolescentes são influenciados positivamente a seguir o desejo pelo esporte, já que enxergam em Criciúma o potencial de investimento e sequência de modo profissional. “Eventos com grande porte como o STU geram muita mídia, propaganda e visibilidade para o Skate e para a cena na cidade. Eventos regionais ou até mesmo os jogos olímpicos apresentam novos nomes que acabam virando ídolos, dando retorno e mais procura”, explica Chris.

“Na nossa cidade o skate está em uma ascensão gigante, as lojas têm vendido mais itens e assessórios relacionados ao skate. O próprio parque está mais cheio com famílias levando seus filhos para a pista, criando momentos de lazer”, comenta o professor.

Entre sorrisos e manobras, os skatistas se mostram a vontade na cidade.

Criciúma abriu o calendário de competições nacionais com a etapa do STU pelo terceiro ano consecutivo. As melhorias na estrutura são motivo de orgulho para moradores e visitantes que buscam a cidade para acompanhar de perto a performance dos atletas só que costumam acompanhar pela TV.

A procura não vem apenas dos praticantes do skate, mas também amantes do esporte que não possuem vínculo como o casal de aposentados Rosi de Assis e José Cardoso Antoneli. Ambos nunca praticaram o esporte, mas compartilham da paixão por ele. Moradores de Içara, visitaram o STU nas duas semanas de evento.

O skatista Pedro Quintas levantou a torcida e encantou os fãs  

“Curtimos muito esse esporte radical, procuramos sempre assistir as competições regionais. Já vi o Pedro Quintas competir antes, é algo muito emocionante”, afirma Rosi. O aumento da estrutura foi algo que chamou atenção positivamente de José, que elogiou o preparo do local para receber bem os fãs. “A estrutura está muito bem feita, tudo foi muito bem organizado. Acaba dando vontade de vir mais vezes”, comenta.

Rosi e José deixaram a pista felizes com a classificação do ídolo Pedro Quintas

O evento também proporciona incentivo as crianças

Durante os treinos livres na semana de competições, turmas integrais do projeto Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) do CRAS Cristo Redentor de Criciúma tiveram presentes e puderam receber autógrafos dos skatistas presentes, incluindo Pedro Quintas e Augusto Akio, os ídolos de Cauã das Neves e Guilherme Romeira.

Os alunos da turma de 11 anos do SCFV tiveram a oportunidade de conhecer o ídolo e receber um autógrafo do skatista. “É uma sensação muito boa estar aqui, eu ando e adoro o skate. Viemos pela primeira vez e está sendo uma experiência ótima, vimos famosos e ainda ganhamos autógrafos”, Cauã conta empolgado segurando a assinatura com as duas mãos.

Cauã e Guilherme esperavam ansiosospelo momento de conhecer os ídolos.

Para a orientadora social da turma, Bruna Cardoso, a iniciativa de levar a turma para assistir aos treinos possibilita a ampliação cultural dos alunos. Ela acredita que Criciúma conquistou um espaço nacional do skate, possibilitando que o esporte possa ser mais propagado em ações sociais. “As crianças ficaram felizes e emocionadas, alguns conhecem e identificam os atletas e outros estão conhecendo agora esse mundo. Foi emocionante ver todos felizes, o Cauã inclusive ficou emocionado porque o Pedro Quintas tocou na mão dele”, comenta Bruna.

Assim que saiu de sua última volta nas qualificatórias, Quintas retribuiu o carinho recebido das crianças.  

Natural de São Paulo, o atleta olímpico Pedro Quintas já é carinhosamente conhecido em Criciúma. Em seu terceiro ano consecutivo competindo na etapa da cidade, descreve os criciumenses como um povo hospitaleiro e animado. Pedro acredita que Criciúma seja uma cidade que respira o skate.

“Criciúma é uma cidade massa, gosto de competir aqui, a vibe está muito irada e a cada ano o evento cresce mais. É muito legal ver essa molecada que é a nova geração do nosso país e poder dar esse apoio a eles de ter um ídolo do lado, podendo tirar foto e trocar uma ideia é muito legal. Precisamos fazer esse papel como o atleta que eles conhecem”, afirma Pedro.

Para o ganhador do primeiro lugar na etapa de Criciúma do STU National, Augusto Akio, Criciúma o abraça. Participante das três etapas que ocorreram na cidade, Akio falou da sua satisfação em poder conhecer novas pessoas e receber o carinho dos moradores. “Cada ano a estrutura é ainda maior, é muito bom receber o carinho do pessoal de Criciúma, traz conforto, é como ser abraçado”, explica Akio.

Vencedor da etapa, Akio se emociona ao falar do caminho percorrido.

Seja mudando vidas como a de Paola e sua família que deixaram tudo para trás para seguir o sonho de uma futura carreira no esporte ou encontrando um propósito como Christian, que resolveu se dedicar interinamente a ensinar e inserir crianças na modalidade, o skate possibilita a mudança de vida. Na cidade de Criciúma, o esporte vem, portanto, recebendo o reconhecimento merecido pela construção social e integração de etnias, raças, gêneros e diferenças econômicas em um mesmo meio, sem exclusão de ninguém. Esse é o poder do esporte na sociedade. Esse é o poder do skate. 

Local de aceitação, inclusão e emoções.