“Não dá para ficar parada, senão a gente enferruja”. A frase dita por Isolina de Macedo Inácio, de 63 anos, carrega o amor e a dedicação colocados em cada pastel frito pela feirante aos domingos, no Parque da Prefeitura, em Criciúma. A história da comerciante reflete como sua vontade definiu o recomeço de vida. Veio a pandemia, tudo parou, menos a vontade de seguir em frente.
Isolina começou nas feiras em 2022, vendendo artesanato, chinelos e toalhinhas. Como as vendas não iam bem, ela precisou se reinventar. “Percebi que precisava mudar de ramo e vi que ninguém vendia pastel aqui na feira. Comecei trazendo os pastéis em caixinhas de isopor e vendendo embaixo de uma árvore”, relembra.
Revitalizado em 2020, o Parque Prefeito Altair Guidi, conhecido como Parque da Prefeitura, tornou-se um ponto de prosperidade para muitos comerciantes nos fins de semana. Pessoas como Isolina destacam o quanto os empreendedores são parte viva da transformação da cidade.

A virada de chave veio após uma viagem de 800 quilômetros. A comerciante viajou até Rivera, no Uruguai, buscando recursos para investir de vez no novo negócio. “Comprei minha barraca e minha fritadeira lá, porque era muito mais barato. Me instalei e comecei a trazer os pastéis congelados de casa. Daí para frente, nunca mais parei”, destaca.
Desde então, os domingos dela têm cheiro de massa, café e trabalho. O marido, Alcebiades, de 67 anos, a leva de Maracajá até o Parque logo cedo, por volta das 8 horas. O filho, Aurélio, que mora em Criciúma, a busca pela noite. “A gente vai se virando. Porque se parar, aí sim fica difícil”, diz.
Nos bastidores da barraca, há mais histórias que receitas. Isolina é mãe de três filhos formados: uma contadora, uma pedagoga e um advogado. Mas até chegar nesse dia não foi fácil.
“Encontramos o berço da minha filha mais velha em um porão no bairro São Sebastião, onde as galinhas dormiam. Estava cheio de sujeira, e meu marido lavou tudo, enrolou fitinhas douradas e fez as rodinhas”, pontua.
O trabalho para ela vai muito além da questão financeira. “Tive depressão há alguns anos e achei que o meio de ocupar a cabeça seria trabalhar e lutar, procurar mais coisas pra fazer. Ainda ajudo a cuidar da igreja, lavo as roupas da liturgia e sou ministra da Eucaristia há 16 anos”, conta.

Mesmo diante de imprevistos, a dedicação da vendedora não se abala. Recentemente, enfrentou problemas durante um show chuvoso, no Parque das Nações. “Foi complicado, mas nos salvamos. Cheguei em casa às 23 horas, coloquei as coisas para secar e vim para a feira pela manhã”, relata.
O ‘Bom Sabor’, nome da barraca, virou referência entre os frequentadores. “Hoje, se tu perguntares, ninguém vai dizer que meu pastel não presta. Quero que o cliente coma porque é bom, não para agradar”, ressalta.
Com o tempo, ela aprendeu que o segredo não é só fritar bem, mas também saber ouvir. “O cliente é quem tem razão. Se o suco não estava bom, devolvo o dinheiro. Não posso vender algo que faça mal, pois o nome do Bom Sabor não pode ser difamado”, afirma.
Com o dinheiro das vendas, Isolina sonha em terminar o muro de casa e pintar tudo. “Sonhos para realizar a gente sempre tem. Ano que vem quero dar uma pausa, mas parar mesmo só quando eu partir para o além”, brinca.

Pão do Lore: amor e afeto em cada fornada

Os pães caseiros vendidos por Cintia Backes Schmoller, de 36 anos, têm um ingrediente especial: o amor por seu filho, Lorenzo, de 6 anos. Diagnosticado com autismo e uma síndrome rara chamada Dandy-Walker, o garoto adora ajudar a mãe a ‘colocar a mão na massa’ e foi dele que surgiu o nome da barraca: ‘Pão do Lore’.
A jornada da moradora de Siderópolis começou de forma simples, quando Lorenzo levou os pães da mãe para as terapias. “As profissionais começaram a querer comprar para ajudar. Minha irmã me inscreveu na Feira Inspirar, meu pai me ajudou com uma máquina, minha madrinha de batismo com um forno.. assim começou uma renda extra e comecei a recuperar minha independência financeira”, destaca.
Cintia produz tudo em casa, com trigo, ovo, banha, água e fermento. Nas quintas e sextas-feiras, ela e o filho se preparam para a feira. “Ele diz que é o ‘chefe Lorenzo’. Faz bagunça, mas está sempre junto, coloca o avental e ajuda. Já quando faço cavaquinhos é eu e minha mãe o dia inteiro: eu faço e ela frita”, frisa.

Lorenzo convive desde cedo com a síndrome, que por retardar o desenvolvimento do cerebelo, interfere parcialmente em sua coordenação motora e sua respiração. Mesmo assim, participa ativamente das atividades da família, mostrando determinação em cada passo. “Apesar das dificuldades, não é tão agressiva. O médico disse que ele poderia passar a vida toda sem descobrir a síndrome”, relata a mãe.
Três anos após seu nascimento, Lorenzo ganhou um presente: sua irmã, Helena. “Ela é mais nova, mas ‘domina’ ele. Depois que ela nasceu Lorenzo desenvolveu muito, tanto que a primeira palavra dita por ele, que entendemos, foi ‘Helena’”, conta, sorrindo.
Enquanto o marido, Jacson, trabalha fora, Cintia cuida das crianças e organiza os produtos. Mesmo com a correria, ela vê os domingos na feira como um respiro. “Ficamos na rotina diária de segunda a segunda. Aqui, conheço outras mulheres, faço amizades e esqueço a rotina. É meu dia de folga” afirma.

A arte de ‘Inspirar’ mulheres empreendedoras

Até mesmo a organizadora da feira, Deise Spader, ergue sua barraca aos domingos. A vice-presidente da Associação Feira Inspirar vende cosméticos e produtos naturais e sempre está presente no primeiro ou segundo domingo do mês.
“São todos veganos e de origem vegetal. Não uso nenhum aditivo que comprometa a pele ou a saúde de alguém que tenha alergia, por exemplo”, explica.
Deise, assim como Isolina, começou seu negócio próximo à pandemia. “Em 2021 o pessoal começou a empreender bastante. Como não tenho loja física, nos reunimos e montamos a associação. Hoje, trabalho em uma indústria e essa é minha renda extra”, frisa.
A Feira Inspirar reúne mais de 100 expositoras e busca impulsionar o empreendedorismo feminino. “Queremos valorizar a economia criativa, o comércio local e os pequenos artesãos”, destaca.

Onde há fumaça, há fé: o mineiro que virou churrasqueiro

Todo sábado e domingo, o ex-mineiro Carlos Roberto Machado, o Beto, estaciona seu food-truck próximo às quadras de vôlei. Ao lado da esposa Joesi e do filho Kaleby, ele serve espetinhos há oito anos, sendo um deles no Parque da Prefeitura.
O mesmo Beto que vê a fumaça subindo na churrasqueira já tinha contato com o carvão desde cedo. “Eu trabalhava com mineração de carvão, mas estava passando por um momento de dificuldade financeira. Pensei: preciso de uma ideia fora da caixinha para fazer algo fora da mina”, lembra.
Através da força espiritual, o morador do bairro Santa Luzia encontrou a chave para mudar sua vida. “Busquei uma direção de Deus para abrir um negócio. Comecei a vender docinhos nos parques, como ambulante. As pessoas comentavam: ‘se fosse um salgado eu comprava’, por isso, surgiu a ideia do churrasquinho”, explica.

O início foi simples e, com muito esforço e dedicação, tudo foi evoluindo. “Levava o churrasco em cima de uma carretinha. Depois engatei no carro e, com o tempo, conseguimos montar nosso trailer”, relata.
Além de espetinho, Beto vende hambúrguer, crepe, suco natural, entre outras coisas.
“Onde Deus abre as portas nós vamos entrando aos poucos”, conta.
Durante a semana, ele e a família preparam tudo para sábado e domingo. “Só trabalhamos fora quando tem jogo do Criciúma. No fim de semana, organizamos tudo de manhã, chegamos no Parque às 13 horas e vamos embora às 21h30”, diz.
A união entre Beto, Joesi e Kaleby é o que mantém o negócio firme. “Quando um não está, o outro está suprindo, todos sabem fazer tudo no trailer. Enquanto tem movimento, estamos aqui”, revela.

“A feira para nós é uma segunda família”

Um amor que nasceu no terceiro ano do Ensino Médio hoje forma uma parceria nas vendas de artesanato. Michele Inácio e João Carlos Dias, pais de João Gabriel e Eleonor, levam os produtos do ‘Mimos da Michele’ por vários parques da cidade, entre eles, o da Prefeitura.
O contato de Michele com o artesanato começou na adolescência, pela avó. “Desde meus 12 anos, ela comprava peças de miçanguinhas e fios para eu produzir. Comecei com laços, pulseiras e fui só aumentando”, conta.
Hoje, os produtos vão desde brincos divertidos até canecas e chaveiros. O negócio começou em 2014, com o nascimento do primeiro bebê, João. “Quando ele nasceu, optei por não trabalhar mais fora e ficar somente com o Mimos da Michele” explica.
O marido trabalha com segurança eletrônica enquanto Michele organiza a loja, que fica na garagem de casa, no bairro Pinheirinho. “Já tive que parar meu trabalho durante um tempo e ela foi totalmente nossa renda. É quase que uma segunda renda e também um divertimento”, ressalta Dias.

O primogênito em sua família, Dias está familiarizado com o trabalho desde cedo, quando atuava com os negócios dos pais. Isso o ajuda a colaborar com o comércio da esposa. “Tenho naturalidade para lidar com pessoas. Quando eu era pequeno, eu e meus irmãos ajudávamos minha mãe a negociar muitas coisas, trocava passarinho por relógio, por carro… eu cresci nesse meio”, salienta.
As feiras no Parque da Prefeitura ajudam o casal a impulsionar as vendas e se conectar com o público. “Quando a pessoa tá passeando, pode olhar e falar: ah, achei legal a barraquinha, vou comprar”, conta o marido.
Os produtos, divertidos e com cores chamativas, tem um público variado. Os clientes vão desde criancinhas até senhoras que passeiam com os netos. “Às vezes, as velhinhas colocam os brincos na orelha e já saem usando, ou passam por nós e mostram. Isso nos traz muita alegria”, destaca Dias.
O casal pensa em ampliar o ateliê, mas sem desistir da feira. “Aqui respiramos um ar diferente, conhecemos novas pessoas e trocamos experiências de vida. Isso não tem preço. A feira para nós é uma segunda família”, finaliza.
No Parque da Prefeitura, cada barraca guarda uma história de superação, afeto e recomeço. Entre pastéis, pães, cosméticos, churrasquinhos e acessórios, o que se vende vai muito além de produtos: é a força de quem transforma trabalho em vida.

Texto Escrito pelo acadêmico da 2º fase de Jornalismo da UniSatc João Gabriel da Rocha.
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